O CURRÍCULO E OS INTERESSES ECONÔMICOS VINCULADOS ÀS DEMANDAS ECONÔMICAS DE CADA PERÍODO HISTÓRICO
O currículo sempre foi um elemento fundamental para as decisões e reflexões da prática pedagógica no contexto escolar. O primeiro modelo de educação brasileira foi implantado pelos jesuítas, que chegaram ao Brasil em 1549 e trouxeram consigo um programa educacional bem definido chamado Ratio Studiorum.
A educação jesuítica era baseada num ensino fragmentado, descontextualizado da realidade e ideológico fundamentado no método tradicional. Tal método valorizava a memorização de conteúdos pelos alunos, a aprovação e o rendimento quantitativo, cabendo ao professor o papel de "dono do saber", isto é, o indivíduo que possuía todo e qualquer ensinamento / conhecimento. Dessa maneira, o professor era o transmissor dos conhecimentos fragmentados, sem reflexão nenhuma dos aspectos diretamente relacionados com a vida cotidiana dos estudantes.
Durante os 210 anos da presença jesuítica no Brasil (1549-1759), o seu modelo educacional era caracterizado por disciplinas e conteúdos escolares organizados de forma a manter certa distância da realidade cotidiana. Tratava-se de uma educação tradicional e moral baseada numa grade de disciplinas estabelecidas pelos religiosos. Todavia, faz-se necessário lembrar que o termo currículo não estava presente durante a época jesuítica no período colonial, uma vez que tal conceito apareceu somente em 1963. As disciplinas estabelecidas pelos jesuítas eram o que contemporaneamente se entende por currículo escolar.
Ao final da Primeira República (1889-1930), 80% da população brasileira era analfabeta, constituída tal parcela de pessoas da classe trabalhadora que não tinha acesso à educação escolar e muito menos oportunidade para concretizar os seus estudos. Diante da constatação de que a maioria da população não sabia ler, escrever e fazer cálculos simples, o governo federal durante a Era Vargas (1930-1945) passou a enxergar no analfabetismo do povo um obstáculo para o seu projeto de desenvolvimento econômico do país. A partir de então, a educação tornou-se um aspecto importante para a qualificação do trabalho, sobretudo no setor industrial. Ademais, é fundamental observar-se que há a constituição do Movimento Nacional da Escola Nova em 1932, que passou a travar uma luta pela oferta de educação pública gratuita. Portanto, a educação escolar tornou-se prioridade num contexto histórico de intensificação da urbanização e industrialização do Brasil, uma vez que o trabalho e a educação passaram a ser necessários para o crescimento econômico significativo do país.
Percebe-se, então, que o currículo escolar tem uma finalidade política muito precisa. Os currículos oficiais são historicamente elaborados para atenderem às demandas econômicas. Neste sentido, pode-se afirmar que as mudanças no campo curricular foram realizadas ao longo da história de acordo com os interesses políticos do modelo econômico vigente. Os projetos político-econômicos nacionais subsidiam a construção de currículos oficiais durante a história da educação brasileira. Tal constatação conduz a questionamentos sobre o que já foi estabelecido no campo curricular, as possíveis ideologias ocultas e as contradições eminentes quando se compara o discurso pedagógico com a realidade escolar.
O currículo escolar está contemporaneamente muito fragmentado e ainda pouco vinculado com a vida dos discentes que chegam até a escola. Em muitas escolas o currículo não é repensado e utilizado para concretizar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos de forma diversificada, ativa, democrática, crítica e social. Há uma cultura de insistência na utilização do método tradicional de ensino tradicional no contexto escolar.
Quando as escolas buscam priorizar e oferecer um ensino fragmentado e tradicional aos seus estudantes, elas certamente têm como foco os conteúdos passivos e as disciplinas a serem trabalhadas sem reflexão ativa, distanciando-se, assim, totalmente da realidade social dos educandos que as frequentam e da população em geral. No que se refere a este aspecto, Maria Tereza Eglér Mantoan afirma que "o ensino curricular de nossas escolas, organizado em disciplinas, isola, separa os conhecimentos, em vez de reconhecer suas inter-relações. Contrariamente, o conhecimento evolui por recomposição, contextualização e integração de saberes em rede de entendimento. O conhecimento não reduz o complexo ao simples para aumentar a capacidade de reconhecer o caráter multidimensional dos problemas e de suas relações (MANTOAN, 2006, p. 15).
As escolas precisam se organizar e verificar de forma diferenciada o currículo escolar, focando a realidade social, e não apenas os conteúdos enciclopédicos. Os conteúdos de forma geral devem ser trabalhados de acordo com as realidades encontradas em cada escola e sala de aula. Afinal, a escola precisa formar cidadãos de consciência crítica para o conhecimento humano e científico. Os discentes precisam saber questionar as diversas realidades existentes, mas também compreender as injustiças muitas vezes "mascaradas" na sociedade. Caso o ensino curricular seja passivo, não se terá como desenvolver a consciência crítica no processo de ensino-aprendizagem e, portanto, não se atenderá à diversidade cultural.
A construção curricular é um projeto que levar em consideração muitos fatores da contemporaneidade, como por exemplo, classe social, situação econômica, religião, família, raça, gênero, valores, dificuldades de aprendizagem, emocional dos educandos. De acordo com Solange Aparecida Zotti, "o educador, então, não pode se limitar a desenvolver o que diversos agentes decidem, mas deve estar atento aos diversos contextos em que são gestadas as propostas curriculares, pois esse é o instrumento de intervenção e defesa de propostas coerentes com uma educação e uma sociedade mais condizentes com os desejos da maioria da população" (ZOTTI, 2004, p. 229).
A escola deve ter uma função socializadora e o projeto curricular tem que ser elaborado com base em ações práticas e educativas. Tais ações devem ser voltadas à coletividade, interatividade, intencionalidade no processo de ensino-aprendizagem, compreensão dos fatos históricos e diversidade cultural presente nos diversos contextos sociais. Sobre o projeto curricular, José Augusto Pacheco afirma que "um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre o que se decide ao nível do plano normativo ou oficial e ao nível do plano real ou do processo de ensino e aprendizagem. Mais ainda, o currículo é uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de várias estruturas (políticas, administrativas, econômicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais existe interesses concretos e responsabilidades compartilhadas (PACHECO, 2001, p. 20).
Compreender as diferenças e contemplar a multiplicidade de indivíduos que compõem a mesma sala de aula é saber incluir com valores e princípios como determina a legislação educacional vigente.
Referências:
MANTOAN, Maria Tereza Eglér. Inclusão escolar: o que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.
PACHECO, José Augusto. Currículo: Teoria e Práxis. 2.ed. Porto: Porto Editora, 2001.
ZOTTI, Solange Aparecida. Sociedade, educação e currículo no Brasil: dos jesuítas aos anos de 1980. Campinas: Autores Associados; Brasília: Plano, 2004.
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