JEAN-JACQUES ROUSSEAU E A REVOLUÇÃO COPERNICANA NA EDUCAÇÃO
O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), natural de Genebra, na Suíça, abandonou sua terra natal aos 16 anos. Em Paris, onde passa a residir, convive com os enciclopedistas, tornando-se muito amigo de Diderot. Diverge dos outros em muitos pontos e tem inúmeras desavenças com Voltaire. Dentre suas obras destacam-se: "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens", "Do contrato social" e "Emílio ou da educação".
Rousseau ocupa lugar de destaque na filosofia política - suas obras antecipam o ideário da Revolução Francesa -, além de ser grande teórico da educação. Costuma-se dizer que Rousseau provocou uma revolução copernicana na educação: assim como Copérnico inverteu o modelo astronômico, retirando a Terra do centro do sistema solar, Rousseau centraliza os interesses pedagógicos no aluno, não mais no professor. Mais que isso, ressalta a especificidade da criança, que não deve ser encarada como um adulto em miniatura. Até então, os fins da educação se encontravam na formação do homem para Deus ou para a vida em sociedade, mas Rousseau quer que o homem integral seja educado para si mesmo.
O pensamento pedagógico de Rousseau não se separa de sua concepção política. Para ele, o homem em estado de natureza é bom, mas se corrompe na sociedade, que destrói sua liberdade. Considera então a possibilidade de um contrato social verdadeiro e legítimo, que reúna o povo numa só vontade, resultante do consentimento de todas as pessoas.
Conforme Rousseau, o cidadão não escolhe representantes a quem delegar o poder porque, para ele, só o povo é soberano. Em outras palavras, o pacto que institui o governo não submete o povo a ele, isto é, os depositários do poder não são senhores do povo, mas seus oficiais, e apenas executam as leis que emanam do povo. Nesse sentido, Rousseau critica o regime representativo e defende a democracia direta, pois toda lei não ratificada pelo povo é nula. Portanto, o soberano é o povo incorporado, o corpo coletivo que exprime, na lei, a vontade geral. Segundo a teoria de Rousseau, a vontade geral não se confunde com a vontade da maioria, como o senso comum poderia pensar, pois as decisões não resultam da somatória das vontades individuais, mas expressam o interesse comum, isto é, o interesse de todos, como participantes da comunidade. O cidadão, homem ativo e soberano, capaz de autonomia e liberdade, é ao mesmo tempo um súdito, porque está submisso à lei que ele próprio ajudou a erigir. Liberdade e obediência são polos que devem se completar na vida do homem em sociedade.
A obra "Emílio" relata a educação de um jovem, acompanhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade corruptora. O projeto de uma "educação conforme a natureza", entretanto, não significa retornar à vida selvagem ou primitiva, e sim buscar a verdadeira natureza, que corresponde à vocação humana.
Ao fazer a crítica do regime feudal e dos costumes da aristocracia, Rousseau preconiza uma educação afastada do artificialismo das convenções sociais. Da mesma forma que, na esfera política, o cidadão elabora as leis da sociedade democrática, também a educação busca a espontaneidade original, livre da escravidão aos hábitos exteriores, a fim de que o homem seja dono de si mesmo, agindo por interesses naturais e não por constrangimento exterior e artificial.
Outro sentido dado por Rousseau à educação natural está na recusa ao intelectualismo, que leva fatalmente ao ensino formal e livresco. Ou seja, o homem não se reduz à dimensão intelectual, como se a natureza pudesse ser apenas razão e reflexão, pois antes da "idade da razão" (15 anos) já existe uma "razão sensitiva". Portanto, os sentidos, as emoções, os instintos e os sentimentos são anteriores ao pensar elaborado, e essas disposições primitivas são mais dignas de confiança do que os hábitos de pensamento inculcados pela sociedade.
Existe ainda mais um sentido para a educação natural. Rousseau, como amante da natureza, quer retomar o contato com animais, plantas e fenômenos físicos dos quais o homem urbano frequentemente se distancia. Dessa forma, valoriza a experiência, a educação ativa voltada para a vida, para a ação, cujo principal motor é a curiosidade.
Desconfiado da sociedade constituída, Rousseau teme a educação que põe a criança em contato com os vícios e a hipocrisia. Na obra "Emílio", ele afirma que "se o homem é bom por natureza, segue-se que permanece assim enquanto nada de estranho o altere. A educação primeira deve, portanto, ser puramente negativa. Ela consiste, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em preservar o coração do vício e o espírito do erro. Sem preconceitos, hábitos, nada teria ele em si que pudesse contrariar o resultado de vossos cuidados. Logo ele se tornaria, em vossas mãos, o mais sensato dos homens; e começando por nada fazer, teríeis feito um prodígio de educação" (p. 80).
Rousseau não dá muito valor ao conhecimento transmitido e quer que a criança aprenda a pensar, não como um processo que vem de fora para dentro, ao contrário, como desenvolvimento interno e natural.
É polêmica a função do professor na pedagogia rousseauniana. Se não deve impor o saber dos homens à criança, tampouco pode deixá-la no puro espontaneísmo. Afinal, para se tornar adulto, ela aprende a lidar com os próprios desejos e a conhecer os limites para ser dona de si. Semelhante ao processo de formação da cidadania, em que o homem se submete à vontade geral, também a criança descobrirá por si mesma as leis das coisas e das relações interpessoais. Por exemplo, se Emílio quebra a vidraça, deixam-no dormir sob o vento. Se a quebra de novo, é colocado em um quarto sem janelas: "Dizei-lhe secamente, mas sem raiva: as janelas são minhas; aí foram colocadas por meus cuidados; quero garanti-las" (p. 88). Enquanto sucumbe ao impulso, é escravo do seu desejo e, quando aprende que existem leis, sozinho as descobre: a liberdade é, pois, a obediência à lei por ele mesmo aceita. Assim, Emílio vê-se diante dos atos e de suas consequências.
Aprendendo a controlar-se no mundo físico e nas relações com as pessoas, aos 15 anos começa o jovem a educação moral propriamente dita. De posse da verdadeira razão, só então ele poderá observar os homens e suas paixões e também iniciar a instrução religiosa, pois falar precocemente de Deus com a criança apenas lhe ensina a idolatria. Rousseau defende a religião natural, como a do deísmo iluminista, e por isso foi ameaçado de prisão, precisando sair de Paris para se refugiar na Suíça.
Não resta dúvida quanto ao caráter inovador das ideias de Rousseau, porém muitas críticas lhe são feitas. Uma delas é a acusação de propor uma educação elitista, uma vez que Emílio é acompanhado por um preceptor, procedimento próprio dos ricos. Outra refere-se ao separar o aluno da sociedade: estaria defendendo uma educação individualista. Mesmo admitindo a procedência dessas críticas, não convém esquecer que Rousseau recorre à abstração metodológica de uma relação ideal - semelhante à do contrato social - a fim de formular a teoria pedagógica. Ou seja, perguntar como seria possível a educação natural de Emílio numa sociedade corrompida significa tratar do mesmo problema da política: Como é possível estabelecer a vontade geral em uma sociedade que ainda não é democrática? Além disso, o fim do ensino não é educar o solitário Emílio, mas inseri-lo na sociedade. Compreende-se o artifício de Rousseau porque, sendo liberal, concebe a sociedade como uma justaposição de indivíduos. Ainda que fundadas as críticas ao caráter a-histórico desta hipótese, ao otimismo exagerado da ação da natureza e ao reduzido papel do preceptor, lembramos que Rousseau se opõe à educação do seu tempo, extremamente autoritária, interessada em adaptar e adestrar a criança e apoiando-se na concepção de uma natureza humana má.
Por fim, outra crítica pode ser feita à posição de Rousseau para com a mulher, que deve ser educada para servir ao homens, segundo ele. Embora fosse a concepção corrente no seu tempo, alguns teóricos, como Comênio e Condorcet, já teciam considerações sobre a maior participação da mulher na sociedade.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. São Paulo: Difel, 1968 (Clássicos Garnier).
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