UMA CULTURA PARA A CLASSE DIRIGIDA E OUTRA PARA A DIRIGENTE: A ESCRAVIDÃO E OS SEUS REFLEXOS HISTÓRICOS NA VALORIZAÇÃO SOCIAL DAS FIGURAS DO BACHAREL E DO DOUTOR NO BRASIL

Por FERNANDO DE AZEVEDO

A escravatura, que desonrou o trabalho nas suas formas rudes, enobreceu o ócio e estimulou o parasitismo, contribuiu para acentuar, entre nós, a repulsa pelas atividades manuais e mecânicas, e fazer-nos considerar como profissões vis as artes e os ofícios. Segundo a opinião corrente, "trabalhar, submeter-se a uma regra qualquer, era coisa de escravos".
Nessa sociedade, de economia baseada no latifúndio e na escravidão, e à qual, por isso, não interessava a educação popular, era para os ginásios e as escolas superiores que afluíam os rapazes do tempo com possibilidades de fazer os estudos. As atividades públicas, administrativas e políticas, postas em grande realce pela vida da Corte e pelo regime parlamentar, e os títulos concedidos pelo imperador contribuíam ainda mais para valorizar o letrado, o bacharel e o doutor, constituindo, com as profissões liberais, o principal consumidor das elites intelectuais forjadas nas escola superiores do país.
Esse contraste entre a quase ausência de educação popular e o desenvolvimento de formação de elites tinha de forçosamente estabelecer, como estabeleceu, uma enorme desigualdade entre a cultura da classe dirigida, de nível extremamente baixo, e a da classe dirigente, elevando sobre uma grande massa de analfabetos, - "a nebulosa humana desprendida do colonato" -, uma pequena elite em que figuravam homens de cultura requintada e que, segundo ainda, em 1890, observava Max Leclerc, não destoaria entre as elites das mais cultas sociedades europeias.

Referência:
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. São Paulo: Edusp, 2010.



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