POR QUE A DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA COMUNIDADE LGBTQIA+?

       Por JORGE ESCHRIQUI

O Brasil é o país do mundo ocidental onde mais se assassina indivíduos da comunidade LGBTQIA+, sobretudo a parcela composta por transexuais. E não se trata de Fake News, mas de uma deprimente realidade. Segundo dados do dossiê " Assassinatos e Violência Contra Transexuais e Travestis", elaborado pela Trans Murder Monitoring ("Observatório de Assassinatos Trans", em inglês) e Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra), e divulgado em 29 de janeiro de 2021 (Dia da Dia da Visibilidade Trans), "só até setembro de 2020, foram 350 assassinatos reportados — um aumento de 6% em relação a todo o ano de 2019. Dessas mortes, 82% aconteceram na América Latina, sendo 43% delas no Brasil".
Entre os motivos para este deplorável cenário, podem ser citados o preconceito, a falta de oportunidades e a escassez de políticas públicas para a inclusão social da população transexual no Brasil. Por conseguinte, tal grupo encontra-se em uma perceptível situação de vulnerabilidade social. Conforme o dossiê acima citado, "por ser rejeitada pela própria família e também pelo mercado de trabalho, a esmagadora maioria das pessoas trans é levada a buscar seu sustento em trabalhos informais, principalmente na prostituição. A soma dessa conjuntura desfavorável com a pandemia de covid-19 e o aumento da brutalidade policial pelo mundo faz de 2020 um dos anos mais violentos para a população trans. Ademais, "a rejeição familiar, a marginalização econômica e, principalmente, a impunidade para os atos violentos são os fatores que explicam a alta contínua nesses números ano após ano. Mas, no Brasil, discursos de ódio vindos dos altos escalões da administração pública exacerbam ainda mais essa realidade".
O que faz alguns gestores públicos, certas autoridades policiais e determinados "cidadãos" comuns disseminarem, apoiarem e praticarem atos e discursos homofóbicos na sociedade brasileira? É um questionamento que não pode ser respondido facilmente, mas podem nos levar a reflexões.
Discursos supostamente moralistas e com viés ideológico conservador por parte de uma parcela considerável de autoridades públicas e grupos religiosos contribuem para criar e disseminar um ambiente de ódio e perseguição à diversidade social. O pior é que este tipo de discurso cria uma série de preconceitos e inverdades a respeito da educação ministrada nas escolas às crianças e aos adolescentes. Entre tais inverdades podem ser citadas a farsa do "kit gay" distribuído nas instituições de ensino, livros paradidáticos que fariam apologia ao homossexualismo e aulas de Educação Sexual que, além de despertarem a sexualidade em crianças e adolescentes fora da faixa etária ideal, também pregariam a inexistência da diferença de gêneros e opções sexuais, o que é, no mínimo, um absurdo. Por que se trata de um absurdo? Primeiramente, porque além de não abordar tal perspectiva equivocada, a Educação Sexual é um importante conteúdo escolar que não deveria se restringir, na prática, apenas às disciplinas de Ciências no ensino Fundamental ou Biologia no ensino Médio, mas se constituir em um tema transversal a certo tratado por todas as disciplinas do componente curricular de forma interdisciplinar (A História e a Sociologia, por exemplo, podem despertar uma reflexão crítica nos alunos sobre certas práticas sociais infelizmente ainda muito "normalizadas" e comuns no país, como o assédio, o estupro, o preconceito contra o modelo de família que não é considerado tradicional, etc.). O objetivo da Educação Sexual não é tão somente tratar sobre o conhecimento dos órgãos sexuais dos indivíduos, mas sobretudo contribuir para que as novas gerações percebam a importância do uso de métodos contraceptivos para a gravidez inesperada, do planejamento familiar e da responsabilidade que envolve a maternidade e a paternidade, da proteção pessoal contra os riscos de doenças sexualmente transmissíveis, do conhecimento do próprio corpo, de práticas de violências sexuais e dos mecanismos legais de denúncia, etc. Em segundo lugar, é no ambiente escolar que se deve aprender a respeitar e conviver com a diversidade, fazendo as novas gerações compreenderem a necessidade das práticas altruístas para o bom convívio social. Em terceiro lugar, a Educação Sexual abordada nas escolas não pode ser vista como um mecanismo de imposição de opção sexual a ninguém, afinal, nunca observei em minhas experiências de vida, enquanto professor de educação básica em escola pública nenhum colega de Ciências, Biologia ou qualquer outra disciplina, impor opção sexual em sala de aula a qualquer estudante. E finalmente, se há algo que carece à Educação Sexual nas escolas brasileiras é fazer as crianças entenderem que a opção sexual é algo da escolha particular de cada um, não se devendo enxergar a homossexualidade jamais como uma doença ou aberração da natureza. O importante é que cada indivíduo deixe a sua opção sexual no âmbito de sua intimidade e a escolha a partir de seus parâmetros de atração física e princípios e valores pessoais, sem que isto implique na violação aos direitos fundamentais de seus semelhantes.
Grupos conservadores que são incapazes de conviver com a diversidade, inclusive sexual, precisam compreender alguns tópicos importantes sobre a sexualidade. Primeiramente, o fato de conviver respeitosamente em coletividade com pessoas de opções sexuais diversas às suas não resulta em qualquer prejuízo à heterossexualidade. Afinal, quem tem a sua opinião bem consolidada e formada, jamais deixará a sua opção sexual por influência de ninguém, a não ser que seja por escolha própria! Em segundo lugar, Deus não escolhe o próximo a quem amar, discriminar ou condenar, de acordo com os preceitos fundamentais do Cristianismo. O mandamento é "amai-vos uns aos outros como eu vos amei", ou seja, você, conservador, precisa entender que não é Deus para condenar ninguém antecipadamente ao "céu" ou "inferno" pela opção sexual. Além disso, Deus não é jagunço, miliciano ou justiceiro para fazer vingança contra aqueles que o conservador não gosta ou odeia por divergências na visão de mundo. Em terceiro lugar, alguns indivíduos que adotam práticas homofóbicas e machistas são contraditórios. Como o indivíduo é claramente homofóbico no dia-a-dia na sociedade, mas, em sua intimidade, demonstra prazer ao manter relação momentaneamente com duas mulheres na cama fazendo sexo entre si e com ele? Hipocrisia ou distúrbio psicológico de identidade/personalidade? Finalmente, se há algo questionável, para não se dizer algo condenável, é o indivíduo que fere o sentimento dos outros para esconder a sua opção sexual e enganar a sociedade. Por medo de execração no ambiente familiar, de trabalho ou da cidade onde vive, a pessoa se passa por conservadora, casa-se, tem filhos, etc., mas é incapaz de revelar a sua bissexualidade ou homossexualidade para o (a) companheiro (a). É uma demonstração total de altruísmo, amor, respeito e companheirismo para com aquele (a) com quem decidiu partilhar a vida em todos os momentos. Trata-se de alguém infeliz e que leva infelicidade aos seus próximos em nome de uma farsa social e um conservadorismo que esconde uma profunda ausência de auto análise, crise de identidade e amor ao entes próximos.
Eu sou heterossexual bem resolvido, sinto-me atraído por mulheres, mas isto não me impede de conviver respeitosa e fraternalmente com pessoas de opções sexuais diversas da minha. Afinal, os parâmetros que devem permear a escolha de um (a) amigo (a) ou colega de jornada na vida são, entre outros possíveis: (1) é uma pessoa altruísta ou egocêntrica? (é capaz de estender a mão ou dar uma palavra de apoio a um próximo necessitado ou a um amigo nos momentos mais difíceis da vida?); (2) é falsa ou tem caráter e autenticidade para ser o que é verdadeiramente na frente e pelas costas do outro?; (3) respeita as escolhas e a intimidade do seu semelhante, isto é, sabe o significado do jargão "o meu direito termina onde começa o do meu próximo)?; (4) a sua presença contribui para o meu aperfeiçoamento cotidiano como ser humano?; (5) obedece nas normas legais que regem a sociedade ou as infringe de acordo com as suas conveniências pessoais, sem pensar na coletividade? (É importante observar que tal fala não implica em concordar com a violação dos direitos humanos daqueles que violaram as leis e estão pagando legalmente por seus crimes, afinal, a pena não dá ao Estado ou a qualquer indivíduo o direito de violar os princípios básicos da dignidade humana).
Reduzir as desigualdades e a violência e dar mais dignidade aos membros da comunidade LGBTQIA+ não é favor da sociedade ou do Poder Público. Pelo contrário, é um dever que ser observado para que se promova definitivamente a tolerância e a aceitação de todas as pessoas, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. Quaisquer tentativas de barrar as discussões de gênero na sociedade não apenas viola o direitos humanos desta comunidade, mas também reforça e eterniza preconceitos históricos que já deveriam estar superados.
Referência:
BORGES, Rebeca; COSTA, Mariana; MENEZES, Bruno. Pelo 12º ano consecutivo, Brasil é o país que mais assassina transexuais. In: Metrópoles. Disponível em:



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