A "EXCLUSÃO INCLUDENTE" E A "INCLUSÃO EXCLUDENTE" EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO E OS SEUS REFLEXOS NO MUNDO DO TRABALHO E NA EDUCAÇÃO
(Para a reflexão: Por que é um equívoco culpar as pedagogias contra hegemônicas e críticas e o educador Paulo Freire pelos fracassos atuais da educação brasileira?)
Por ACÁCIA KUENZER
(1) A REESTRUTURAÇÃO DOS PROCESSOS PRODUTIVOS E A SUBSTITUIÇÃO DO FORDISMO PELO TOYOTISMO NO MUNDO DO TRABALHO:
A crise da sociedade capitalista que eclodiu na década de 1970 conduziu à reestruturação dos processos produtivos, revolucionando a base técnica da produção e conduzindo à substituição do fordismo pelo toyotismo. Uma desregulamentação do sistema monetário internacional e dois choques petrolíferos (em 1973 e 1979) estiveram na origem de uma crise econômica que, no início dos anos 1970, travou o ritmo de crescimento nos países industrializados.
O dólar norte-americano, que servia de referência a todas as economias ocidentais desde a década de 1940, foi desvalorizado a 15 de agosto de 1971 e perdeu a sua paridade relativamente ao ouro. A quebra da paridade do dólar norte-americano e do ouro em 1971 alterou o sistema monetário internacional, que estava assente nos acordos de Bretton-Woods de 1944, a partir dos quais se fundou o Fundo Monetário Internacional. A decisão tomada pelo presidente norte-americano Nixon conduziu a uma flutuação das moedas mais significativas e a uma instabilidade no comércio internacional.
Dois anos depois, no final de 1973, os países árabes membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), aumentaram quatro vezes o preço do petróleo no espaço de três meses, numa altura em que estavam em guerra com Israel, e nacionalizaram as instalações ocidentais. Entre 1979 e 1980, ocorre uma nova crise petrolífera. Com a queda da oferta, os preços do barril sobem para cima de 30 dólares, e o aumento desta fonte de energia tem graves repercussões em alguns setores industriais da Europa, que denotam uma nítida dificuldade em acompanhar os tempos, em especial a siderurgia, a construção naval e a química pesada. A subida de preços arrasta o déficit comercial, e as atividades mais relacionadas com a utilização do petróleo, como por exemplo a automobilística, sentem mais de perto esta recessão econômica. Deu-se também um agravamento da inflação, e a Europa entra numa fase denominada de estagnação, isto é, uma combinação de uma recessão com o aumento da inflação.
Como resultado dessa situação registram-se inúmeras falências e a crise das indústrias tradicionais que haviam estado na base do arranque da Revolução Industrial, como a siderurgia, a metalurgia, os têxteis e derivados destas. O problema do desemprego é muito focalizado: atinge essencialmente jovens sem formação especializada, mulheres, trabalhadores imigrantes e os operários das indústrias tradicionais.
O modelo fordista (elaborado por Henry Ford, fundador da fábrica de automóveis Ford) em vigor no mercado de trabalho do mundo capitalista entre as décadas de 1910 e 1970 apoiava-se na instalação de grandes fábricas operando com tecnologia pesada de base fixa, incorporando os métodos tayloristas de racionalização do trabalho; supunha a estabilidade no emprego e visava à produção em série de objetos estandardizados, em larga escala, acumulando grandes estoques dirigidos ao consumo de massa. Nesse período, surgiu a teoria do capital humano, que entendia a educação como tendo por função preparar pessoas para atuar num mercado em expansão que exigia força de trabalho educada. À escola cabia formar a mão de obra que progressivamente seria incorporada pelo mercado, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas e o incremento da riqueza social e da renda individual. É importante observar-se também que esse período foi dominado pela economia keynesiana e pela política do Estado de bem-estar, que, na chamada era de ouro do capitalismo, preconizavam o pleno emprego.
Após a crise da década de 1970, surgiu um novo modelo de processo produtivo denominado toyotismo (em referência ao esquema de produção das fábricas de automóveis Toyota). Tal modelo apoia-se em tecnologia leve, de base microeletrônica flexível, e opera com trabalhadores polivalentes visando à produção de objetos diversificados, em pequena escala, para atender à demanda de nichos específicos do mercado, incorporando métodos como o "just in time" que dispensam a formação de estoques; requer trabalhadores que, em lugar da estabilidade no emprego, disputem diariamente cada posição conquistada, vestindo a camisa da empresa e elevando constantemente sua produtividade. Se a importância da teoria do capital humano sobre a importância da escola para o processo econômico-produtivo foi mantida, por outro lado, ela adquiriu outra conotação. Antes da teoria econômica neoliberal surgida entre os anos 1980 e 1990, a educação era pensada em termos do atendimento de demandas coletivas, tais como o crescimento econômico do países, a riqueza social, a competitividade das empresas e o incremento dos rendimentos dos trabalhadores. Com o neoliberalismo, a educação passou a ser compreendida como um pré-requisito individual que cada pessoa deve possuir para a aquisição de competências e habilidades necessárias para que possa pensar em termos de sua inserção no mercado de trabalho. A educação passa a ser pensada como um investimento em capital humano individual que habilita as pessoas para a competição pelos empregos disponíveis. O acesso a diferentes graus de escolaridade amplia as condições de empregabilidade do indivíduo, o que, entretanto, não lhe garante emprego, pelo simples fato de que, na forma atual do desenvolvimento capitalista, não há emprego para todos: a economia pode crescer convivendo com altas taxas de desemprego e com grandes contingentes populacionais excluídos do processo. É o crescimento excludente, em lugar do desenvolvimento inclusivo que se buscava atingir no período keynesiano. Como é possível crescimento econômico com altas taxas de desemprego e exclusão? Prevalece-se a automação no processo produtivo, dispensando-se de forma crescente mão de obra. Ademais, estimulando a competição e buscando maximizar a produtividade, isto é, o incremento do lucro, a extração de mais-valia, a economia neoliberal rege-se por uma lógica que estabelece o predomínio do trabalho morto (capital) sobre o trabalho vivo, conduzindo à exclusão deliberada de trabalhadores. É isso que se observa no empenho constante, tanto por parte das empresas como por parte dos governos, em conseguir reduzir a folha salarial e os gastos trabalhistas e previdenciários.
A educação na lógica neoliberal consiste na preparação de indivíduos para, mediante sucessivos cursos dos mais diferentes tipos, se tornarem cada vez mais empregáveis, visando a escapar da condição de excluídos. E, caso não o consigam, resta, além do emprego formal, a possibilidade do empreendedorismo, a informabilidade ou a terceirização.
(2) A "EXCLUSÃO INCLUDENTE" E A "INCLUSÃO EXCLUDENTE" EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO:
A"exclusão includente" manifesta-se no terreno produtivo como um fenômeno de mercado. Trata-se das diferentes estratégias que conduzem à exclusão do trabalhador do mercado formal, seguida de sua inclusão na informalidade ou reinclusão no próprio mercado formal. Os mecanismos utilizados são a dispensa do trabalhador, que, assim, perde todos os direitos trabalhistas e previdenciários. Excluído, esse trabalhador só pode voltar a ser incluído nas seguintes circunstâncias: com carteira assinada, mas com diminuição de salário e de direitos; como empregado de empresa terceirizada; ou trabalhando para a mesma empresa, porém na informalidade. Eis aí a exclusão includente.
A "inclusão excludente", por sua vez, manifesta-se no terreno educativo como a face pedagógica da exclusão includente. Aqui a estratégia consiste em incluir estudantes no sistema escolar em cursos de diferentes níveis e modalidades sem os padrões de qualidade exigidos para ingresso no mercado de trabalho. Essa forma de inclusão melhora as estatísticas do atendimento escolar se aproximando da realização de metas como a universalização do acesso ao ensino fundamental. No entanto, para atingir essas metas quantitativas, a política educacional lança mão de mecanismos como a divisão do ensino em ciclos, a progressão continuada, as classes de aceleração que permitem às crianças e aos jovens permanecer um número maior de anos na escola, sem o correspondente efeito da aprendizagem efetiva. Com isso, embora incluídas no sistema escolar, essas crianças e esses jovens permanecem excluídos do mercado de trabalho e da participação ativa na vida da sociedade. Consuma-se, desse modo, a "inclusão excludente".
Referência:
KUENZER, Acácia. "Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho". In: LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luís (Org.). Capitalismo, trabalho e educação. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2005.