A REPÚBLICA DE PLATÃO E A EDUCAÇÃO COMO CONVERSÃO DA ALMA

Arístocles é o verdadeiro nome de Platão (428-347 a.C.). Ateniense de família aristocrática, sentia-se atraído por política, apesar de ter sofrido pesados reveses ao tentar pôr em prática suas teorias. Por exemplo, após ser bem recebido na Sicília por Dionísio, o Velho, foi vendido como escravo, mas por sorte um rico armador o reconheceu e libertou. Em Atenas, lecionou durante 40 anos na Academia, um dos ginásios de ensino superior da cidade.

No Livro VII de "A República", Platão expõe o mito da caverna, uma alegoria usada para melhor explicar sua teoria. Segundo esse relato, homens se encontram acorrentados em uma caverna desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onde há uma fogueira. Se um desses homens conseguisse se soltar das correntes para contemplar, à luz do dia, os verdadeiros objetos, quando regressasse para contar o que vira, não mereceria o crédito de seus antigos companheiros, que o tomariam por louco.

A análise desse mito pode ser feita primeiramente de dois pontos de vista: o epistemológico (relativo ao conhecimento) e o político (que por sua vez desdobrará implicações pedagógicas).

Quanto à dimensão epistemológica, Platão compara o acorrentado ao homem comum, que permanece dominado pelos sentidos, pelas paixões, e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade, restrito ao mundo dos fenômenos, no qual as coisas são meras aparências e estão em constante fluxo. A esse conhecimento Platão chama "doxa" (opinião). O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo, capaz de atingir o verdadeiro conhecimento, a "episteme", ciência, quando a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o mundo das ideias, lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelos ou arquétipos. Este é o único verdadeiro, e o mundo sensível só existe enquanto participa do mundo das ideias, do qual é apenas sombra ou cópia. Essas ideias gerais são hierarquizadas e no topo está a ideia do Bem, a mais alta em perfeição e a mais geral de todas. Os seres e as coisas não existem senão à medida que participam do Bem. E o Bem supremo é também a Suprema Beleza. Platão é idealista, o que significa dizer que, conforme sua teoria do conhecimento, as ideias são mais reais que as próprias coisas. No trecho do Livro VII de "A República", após o relato do mito da caverna, há o seguinte diálogo com as falas de Sócrates (1.ª pessoa) e de seus interlocutores, Glauco e Adimanto, irmãos mais novos de Platão:

" - Agora, meu caro Glauco - continuei - cumpre aplicar ponto por ponto esta imagem ao que dissemos mais acima, comparar o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo que a ilumina ao poder do Sol. No que se refere à subida à região superior e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma ao lugar inteligível, não te enganarás sobre o meu pensamento, posto que também desejas conhecê-lo. Deus sabe se ele é verdadeiro. Quanto a mim, tal é a minha opinião: no inteligível, a ideia do bem é percebida por último e a custo, mas não se pode percebê-la sem concluir que é a causa de tudo quanto há de direito e belo em todas as coisas; que ela engendrou, no mundo visível, a luz e o soberano da luz; que, no mundo inteligível, ela própria é soberana e dispensa a verdade e inteligência, e que é preciso vê-la para conduzir-se com sabedoria na vida particular e na vida pública" (p. 109).

O filósofo, aquele que se liberta dos grilhões, passando da opinião à ciência, tem a obrigação de orientar os demais. Eis aí a dimensão política e pedagógica do mito, decorrente da pergunta: como influenciar os homens que não veem? Cabe ao sábio dirigi-los, sendo-lhe reservada a elevada função da ação política. Platão imagina uma cidade utópica, a "Callipolis" (Cidade Bela). Trata-se de um modelo de cidade em que são eliminadas a propriedade e a família, e todas as crianças recebem educação do Estado. Como as pessoas não são iguais, a educação é dada de acordo com essas diferenças, a fim de ocuparem suas posições na sociedade, o que é feito por meio de seguidas seleções.

Até os 20 anos, a educação é a mesma para todos. O primeiro corte identifica as pessoas com a alma de bronze, ou seja, com uma sensibilidade grosseira, e que as qualifica para a agricultura, o artesanato e o comércio. A elas seria confiada a subsistência da cidade.
Os outros continuam na escola por mais dez anos. Com o segundo corte, aqueles que têm a coragem dos guerreiros de "alma de prata" interrompem os estudos a fim de constituir a guarda do Estado, como soldados encarregados da defesa da cidade.

Desses sucessivos cortes sobraram os mais notáveis, que, por terem "alma de ouro", serão instruídos na arte de dialogar. Aprendem, então, a filosofia, capaz de elevar a alma até o conhecimento mais puro, fonte de toda a verdade. Aos 50 anos, aqueles que passaram com sucesso por essa série de provas estarão aptos a ser admitidos no corpo supremo dos magistrados. Cabe-lhes o exercício do poder, pois apenas eles têm a ciência da política.

Platão desenvolve ideias avançadas para seu tempo: o Estado assume a educação; a educação da mulher é semelhante à do homem; os estágios superiores dependem do mérito de cada um e não da riqueza; é valorizada a educação intelectual, coroando o estudo das ciências (em especial destaque para a matemática). Ademais, Platão confia em um regime aristocrático no qual o governo é confiado aos mais sábios, propondo uma "sofocracia" (poder da sabedoria). Nele os reis seriam filósofos.

Platão parte do pressuposto de que a alma teria vivido a contemplação do mundo das ideias, na qual conheceu as essências por simples intuição (conhecimento direto e imediato). Ao se encarnar, no entanto, a alma teria se esquecido de tudo. Por isso, para Platão, aprender é lembrar. Segundo a teoria da reminiscência, todo conhecimento é esforço para se lembrar do que a alma contemplou no mundo das ideias, esquecendo-se ao se encarnar. É esforço para superar as dificuldades que os sentidos - simples ocasião, e não causa do conhecimento - interpõem para alcançar a verdade. Portanto, educar não é levar o conhecimento de fora para dentro, mas despertar no indivíduo o que ele já sabe, proporcionando ao corpo e à alma a realização do bem e da beleza que eles possuem e não tiveram ocasião de manifestar:

" - Devemos, pois, se tudo isto for verdade, concluir o seguinte: a educação não é de nenhum modo o que alguns proclamam que ela seja; pois pretendem introduzi-la na alma, onde ela não está, como alguém que desse a visão a olhos cegos.

- É o que pretendem, com efeito.

- Ora - reatei - o presente discurso mostra que cada um possui a faculdade de aprender e o órgão destinado a este uso, e que, semelhante a olhos que só pudessem voltar-se com o corpo inteiro das trevas para a luz, este órgão também deve desviar-se com a alma daquilo que nasce, até que se torne capaz de suportar a visão do ser e do que há de mais luminoso no ser; e é isso que nós chamamos o bem, não é?

- Sim.

- A educação é, portanto, a arte que se propõe este fim, a conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais eficazes de operá-la; ela não consiste em dar a vista ao órgão da alma, pois que este já o possui; mas como ele está mal disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça por levá-lo à boa direção.

- Assim parece - disse ele" (p. 110-111).

Segundo Platão, embora o corpo seja inferior à alma intelectiva, também possui uma alma irracional, composta de duas partes: uma irascível, impulsiva, localizada no peito; outra concupiscível, voltada para os desejos de bens materiais e apetite sexual, localizada no ventre. O problema moral humano, conforme Platão, encontra-se na tentativa de dominar a alma inferior. Esta perturba o conhecimento verdadeiro porque, escravizada pelo sensível, leva à opinião e, consequentemente, ao erro. O corpo é também ocasião de corrupção e decadência moral. Se a alma superior não souber controlar as paixões e os desejos, o homem será incapaz de um comportamento moral. Dessas teorias, Platão chegaria a um ideal de educação que inclui: (a) Educação física que proporciona ao corpo uma saúde perfeita, permitindo que a alma ultrapasse o mundo dos sentidos e melhor se concentre na contemplação das ideias. Caso contrário, a fraqueza física torna-se empecilho à vida superior do espírito. Na juventude predomina a admiração pela beleza física, por outro lado, o homem amadurecido descobre que a verdadeira beleza é espiritual. Essa transposição pode ser favorecida com a educação do corpo e do espírito pela ginástica; (b) Com a música, entendida no amplo sentido de formação artística e literária, as crianças aprendem o ritmo e a harmonia, condição para alcançar a harmonia da alma; (c) O ensino da geometria, aritmética e astronomia preparam os indivíduos para a mais elevada atividade humana, o filosofar.

Contrariando a educação tradicional, baseada nos textos das epopeias, sobretudo as de Homero, Platão recomenda que a poesia seja excluída do ensino, limitando-se a proporcionar o gozo artístico. O motivo da crítica está no fato de que o poeta apenas imita a realidade e cria um mundo de mera aparência, que afasta o homem do conhecimento verdadeiro, estimula as paixões e os instintos. Ao contrário, Platão defende a aprendizagem da resistência racional à dor, ao sofrimento, para que os indivíduos não sucumbam à vida dos sentimentos.

Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

PLATÃO. A República. 2. ed. São Paulo: Difel, 1973.



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