A PERSEGUIÇÃO POLÍTICA AO EDUCADOR ANÍSIO TEIXEIRA EM NOVEMBRO DE 1935 DURANTE A ERA VARGAS

Depoimento a partir de memórias do educador PASCHOAL LEMME:

"Certo dia, já no ano de 1935, recebi através de ANÍSIO TEIXEIRA, Secretário Geral da Educação e Cultura do Distrito Federal, uma ordem do prefeito Pedro Ernesto para que fossem organizados cursos noturnos para operários filiados a uma associação denominada União Trabalhista, que funcionava à rua Sacadura Cabral, no bairro da Gamboa.

Esses cursos estavam previstas nos regulamentos da Superintendência da Educação Secundária Geral e Técnica e de Ensino de Extensão da Secretaria Geral de Educação e Cultura, na época, por mim dirigidos.

A colaboração da Prefeitura com essa associação operária, conforme verifiquei depois, visava finalidades político-eleitorais de interesse de Pedro Ernesto que, segundo se comentava, tinha pretensões futuras em sua carreira política e talvez mesmo a de candidatar-se à Presidência da República, sucedendo Getúlio Vargas. Dizia-se também que foram essas pretensões do antigo chefe civil da Revolução de 1930 que levaram Getúlio Vargas, aproveitando-se do possível envolvimento de Pedro Ernesto nos acontecimentos de novembro de 1935, a afastá-lo definitivamente do caminho da Presidência da República, tendo sido preso e processado em consequência de documentos encontrados que, segundo se dizia, o comprometiam naqueles episódios.

Cumprindo a ordem recebida e comparecendo em caráter oficial, à sede da referida entidade, discuti com os dirigentes da mesma a melhor forma de atender às solicitações que tinham feito ao prefeito Pedro Ernesto. Além dos cursos de alfabetização e aperfeiçoamento profissional, os responsáveis pela direção da União Trabalhista demonstraram o desejo de que fossem organizados cursos de cultura geral, nos quais seriam tratados problemas referentes aos interesses da classe operária e sua defesa, direitos trabalhistas, história geral e do Brasil, e especificamente história do trabalho.

Para os cursos sistemáticos seriam contratados professores, com os recursos que a Superintendência dispunha para esse fim. Visando ministrar os outros cursos convidei o professor Hermes Lima, da Faculdade de Direito e que, na época, desempenhava a função de uma espécie de assessor político do prefeito Pedro Ernesto, e, nessa qualidade, exercia a supervisão geral das atividades da União Trabalhista. Trouxe também o doutor Valério Konder, médico-sanitarista e meu colega na Inspetoria de Ensino do Estado do Rio, para assumir a direção da Seção Cultural, a quem cabia organizar os cursos e os programas de extensão; e, por fim, obtive a colaboração do professor Edgar Süssekind de Mendonça, companheiro e amigo, que, com sua ampla e polimorfa cultura geral, poderia dar uma valiosa contribuição aos cursos, desde literatura até história do Brasil e divulgação científica. Eu próprio me encarreguei de fazer algumas palestras sobre história do trabalho, assunto a cujo estudo me dedicava no momento.

Tudo resolvido, foi providenciada a redação e distribuição de um impresso a todos os interessados, contendo as instruções sobre as inscrições nos cursos, programas e demais informações suplementares.

Jamais poderia imaginar que tal impresso de cunho oficial, mimeografado, contendo apenas as referidas informações, pudesse trazer tão graves consequências para mim e para os três colegas encarregados dos referidos cursos, que aliás mal chegaram a ser iniciados.

Eu, no dia 27 de novembro, pela manhã, como sempre, tendo comparecido ao meu gabinete de trabalho, localizado no Beco Manoel de Carvalho, nos fundos do Teatro Municipal, pouco depois me encontrava com Anísio Teixeira e ambos, estarrecidos diante dos acontecimentos, procurávamos obter mais informações sobre o que estava realmente ocorrendo.

Sabendo da campanha de ódios e das ameaças que se encanizavam contra Anísio, recomendei ao Andrade, o nosso fiel motorista, nordestino valente, que procurasse proteger o Secretário por todas as formas, mesmo que tivesse que utilizar a arma que levava sempre no carro, naqueles dias em que imperava a violência, e o convencesse a voltar para casa. E isso foi feito.

A partir do movimento armado de Luís Carlos Prestes no Rio de Janeiro, em novembro de 1935, abateu-se sobre o País uma onda de reação, com milhares de prisões em todo o território nacional; um cortejo de perseguições indiscriminadas e de violências inauditas que, em círculos cada vez mais amplos, iam atingindo todos os que, por qualquer motivo, em qualquer lugar e em qualquer época tivessem demonstrado pensamento independente, anseios por transformações econômicas, políticas e sociais em benefício da maioria do povo brasileiro, ou até mesmo, simplesmente, lutassem por proporcionar-lhe maiores e melhores oportunidades de ensino, educação e cultura.

A campanha contra Anísio Teixeira e sua obra acabou por determinar sua demissão a 2 de dezembro de 1935, sendo acompanhado por todos os seus colaboradores, entre os quais eu me incluía.

Não havendo tido qualquer participação naquelas lamentáveis ocorrências, limitei-me a retirar de minha biblioteca e guardar numa dependência interna de nossa casa os livros que me pareceram possíveis de serem apreendidos nas buscas policiais que estavam sendo realizadas nas residências de pessoas que eram consideradas como suspeitas e cuja situação se agravaria extraordinariamente se possuíssem obras que fossem consideradas como 'subversivas' pelos 'caçadores de bruxas', a serviço da reação.

E assim, nesse ambiente pesado de denúncias, violências e sofrimentos, em que os integralistas (fascistas) aproveitavam a oportunidade para acusar todos os que não rezavam por sua cartilha verde de serem 'vermelhos' (comunistas), traidores da Pátria, 'vendidos ao ouro de Moscou', terminou esse fatídico ano de 1935, de tão amargas recordações".

Referência:
LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo; Brasília: Cortez; INEP, 1988, v. 2, p. 217-225; 229-230.



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