QUANTO ME DÓI O BRASIL...

Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA

Fomos, até agora, um país que se desenvolveu ao sabor dos impactos externos que recebeu. Todos os nossos "ciclos" de progresso ou decadência filiam-se a condições externas. Graças a guerras e estados de emergência no mundo, somos jogados para cima ou para baixo, sendo tão somente digno de nota a esperteza com que tiramos proveito das circunstâncias favoráveis, esperteza destruída, aliás, pelo desânimo com que recebemos as desfavoráveis e pela dissipação com que malbaratamos a riqueza acidentalmente adquirida.

Tal imediatismo de primitivos é uma consequência direta de nossa falta de educação. Nem por isto, porém, percebemos que a educação é o nosso problema basilar. Pois se já não é para os outros, como há de ser para nós?

Mas a educação não é hoje somente a solução retardada em décadas do nosso problema basilar, é agora, também, um agudo e urgente problema de ordem.

Com efeito, as condições do próprio mundo exigem hoje o progresso material do Brasil e este está aí a chegar desordenadamente, desigualmente e inesperadamente. A dinâmica desse progresso fará explodir o Brasil, se não o fizermos acompanhar da "força estabilizadora" da educação. É só abrir os olhos para ver que, hoje, o processo de emancipação dos homens, isto é, o processo de tomada de consciência dos seus direitos, pode realizar-se sem escolas. Voltamos, com o rádio, a televisão e o cinema, a ser uma civilização de tradição oral. Não se precisa saber ler para se saber hoje que se está sendo oprimido. As massas brasileiras estão, por isto mesmo, a acordar. As suas condições são ainda hoje das mais tristes e das mais iniquas. Se o processo de sua emancipação não for acompanhado de um processo de educação, pelo qual se regule e se esclareça o seu progresso, dando-se a cada um a consciência do que se está passando e, por este meio, os recursos para que se assuma a sua parcela de responsabilidade na marcha acelerada e irregular, teremos fatalmente de registrar, no desenvolvimento nacional, agitações, senão convulsões do povo brasileiro.

A educação, assim, passa a ser o instrumento, por excelência, de ordem e de desenvolvimento pacífico, sem deixar de ser, por outro lado, o mais significativo instrumento de justiça social que jamais inventou o homem para corrigir as desigualdades provenientes da posição e da riqueza.

Diante disto e, sentindo, como sinto, quanto me dói o Brasil com a suas dilacerantes desigualdades econômicas e a suprema iniquidade de manter milhões e milhões de nossos patrícios a vegetar sem recursos nem direitos, tão estranhos à comunhão brasileira quando os ilotas ou os escravos gregos ou os párias da Índia - como poderia eu evitar a obsessão em que se me tornou a solução do problema educacional brasileiro? Esta obsessão é, hoje, mais atordoante, em face do problema de ordem e moralidade que se vai, dia-a-dia, tornando mais e mais urgente e que só poderá ser resolvido pela educação. Dir-se-á, porém, que não tenho, como ninguém tem, receitas para resolver esse problema. É verdade. Não tenho, nem há receitas. A solução é difícil e gradual e depende de um clima favorável ao grande esforço que tem de ser dispendido. Este clima, porém, o governo poderá criá-lo, por meio de uma campanha sistemática de esclarecimento público, pela qual se expliquem ao povo as razões e os motivos de se dar a prioridade número "um" à educação e às escolas, prioridade na importância e, consequentemente, nos recursos. Depois, será a construção do sistema escolar, com a eficiência e a largueza dos projetos militares e industriais. Estabelecida esta hierarquia para as escolas, tudo mais será consequência. Famílias, alunos e professores formarão, em conjunto, um exército no grande esforço de construção e formação do novo brasileiro.

Tenho confiança de que, uma vez deflagrado, esse movimento educacional não mais se deteria e poderíamos assistir o nosso crescimento sem os sustos e as apreensões com que vemos hoje o próprio progresso brasileiro, tão cheio de iniquidades e de perigos.

"Irmão, pensai na morte" eram as únicas palavras que um trapista podia dirigir a outro trapista. No Brasil, sugeria Miguel Couto, deveria o brasileiro dirigir-se a outro brasileiro com a saudação: Pensai na educação, Irmão. Permita-me que o plagie. Sou, apenas, mais uma voz, pequena e persistente, no coro de tantas vozes que vêm fazendo ao Brasil a grande advertência.

Referência:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. Prioridade número um para a Educação: entrevista de Anísio Teixeira por Odorico Tavares ao “Diário de Notícias”, da Bahia. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde; Serviço de Documentação, 1952.



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