SANTO AGOSTINHO, A PATRÍSTICA E A EDUCAÇÃO COMPREENDIDA A PARTIR DA TEORIA DA ILUMINAÇÃO

A filosofia dos padres da Igreja teve início no período decadente do Império Romano, no século II. A Patrística caracteriza-se pela intenção apologética, isto é, de defesa da fé e conversão dos não-cristãos. A exposição da doutrina religiosa tenta harmonizar a fé e a razão, a fim de compreender a natureza de Deus e da alma e os valores da vida moral. Os primeiros teólogos, ao retomar a filosofia platônica, dão destaque a alguns temas, adaptando-os à ótica cristã de valorização do suprassensível, a fim de fundamentar uma moral rigorosa, que defende a abdicação do mundo e o controle racional das paixões.

O principal representante da Patrística é Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte da África). Durante muito tempo, Agostinho dá aulas de retórica em Tagaste, sua cidade natal, e depois em Roma e Milão, onde entra em contato com a filosofia neoplatônica. As questões religiosas levam-no a aderir à seita dos maniqueus, segundo os quais há dois princípios divinos, o do bem e do mal. Por fim, converte-se ao cristianismo e dedica sua vida à elaboração da filosofia cristã. Escreve inúmeras obras, entre as quais "A cidade de Deus" e "Confissões". Seu trabalho específico sobre educação é o pequeno livro "De Magistro (Do Mestre)", no qual dialoga com Adeodato, seu filho de 16 anos.

Concentrado na questão da origem e natureza do conhecimento como Platão, Agostinho distingue dois tipos: um, imperfeito, mutável, advém dos sentidos, e o outro, que é o perfeito conhecimento das essências imutáveis, de onde provém? Platão começa explicando-o pela alegoria da caverna e em seguida chega à teoria da reminiscência. Segundo essa teoria, a alma teria contemplado as essências no mundo das ideias antes da vida presente, enquanto os sentidos seriam apenas ocasião das lembranças e não a fonte própria do conhecimento.

O cristão Agostinho adapta essa explicação à teoria da iluminação. O homem receberia de Deus o conhecimento das verdades eternas, o que não significa desprezar o próprio intelecto, pois, como o sol, Deus ilumina a razão e torna possível o pensar correto. O saber, portanto, não é transmitido pelo mestre ao aluno, uma vez que a posse da verdade é uma experiência que não vem do exterior, mas de dentro de cada um. Isso é possível porque, de acordo com Agostinho na obra "De Magistro", "Cristo habita no homem interior". Toda educação é, dessa forma, uma auto-educação, possibilitada pela iluminação divina: "E, porventura, os mestres pretendem que se conheçam e retenham os seus próprios conceitos e não as disciplinas mesmas, que pensam ensinar quando falam? Mas quem é tão tolamente curioso que mande o seu filho à escola para que aprenda o que pensa o mestre? Mas quando tiver explicado com as palavras todas as disciplinas que dizem professar, inclusive as que concernem à própria virtude e à sabedoria, então é que os discípulos vão considerar consigo mesmos se as coisas ditas são verdadeiras, contemplando segundo as suas forças a verdade interior. Então é que, finalmente, aprendem; e, quando dentro de si descobrirem que as coisas ditas são verdadeiras, louvam os mestres sem saber que elogiam mais homens doutrinados que doutos: se é que aqueles também sabem o que dizem. Erram, pois, os homens ao chamarem de mestres os que não o são, porque a maioria das vezes entre o tempo de audição e o tempo da cognição nenhum intervalo se interpõe; e porque, como depois da admoestação do professor, logo aprendem interiormente, julgam que aprenderam pelo mestre exterior, que nada mais faz do que admoestar. [...]. Agora, avisei-te, simplesmente, que não lhes atribuas importância maior do que é necessário, para que não apenas se creia, mas também se comece a compreender com quanta verdade está escrito nos livros sagrados que não se chame a ninguém de mestre na terra, pois o verdadeiro e único Mestre de todos está no céu. Mas o que depois haja nos céus, no-lo ensinará Aquele que também, por meio dos homens, nos admoesta com sinais, e exteriormente, a fim de que, voltados para Ele interiormente, sejamos instruídos. Amar e conhecer a Ele, esta é a vida bem-aventurada, que, se todos proclamam procurar, poucos são verdadeiramente os que se alegram por tê-la encontrado" (SANTO AGOSTINHO, 1980, p. 355-356).

No final de sua vida, Agostinho presencia a invasão dos vândalos, depois de terem devastado a Espanha, passado pela África e sitiado Hipona. O Império Romano chega a seus derradeiros momentos. Inicia-se a Idade Média, e durante vários séculos o pensamento agostiniano fornecerá elementos importantes para o trabalho de conciliação entre fé e razão.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

SANTO AGOSTINHO. De Magistro. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980, v. VI.




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