DIVINO, MARAVILHOSO / HINO DA REPRESSÃO

(Poemas canções para reflexão histórica sobre a Repressão durante o Regime Militar Brasileiro de 1964 a 1985)

Por CAETANO VELOSO / CHICO BUARQUE DE HOLANDA

*** DIVINO, MARAVILHOSO ***

Por CAETANO VELOSO*

Atenção: ao dobrar uma esquina, uma alegria;
Atenção, menina! Você vem? Quantos anos você tem?
Atenção: precisa ter olhos firmes para este sol,
Para esta escuridão: atenção!
Tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso,
Atenção para o refrão: uau!
É preciso estar atento e forte!
Não temos tempo de temer a morte!
Atenção: para a estrofe, pro refrão, pro palavrão;
Para a palavra de ordem, atenção!
Tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso,
Atenção para o refrão: uau!
Atenção: para as janelas no alto, atenção!
Ao pisar o asfalto, o mangue: atenção!
Para o sangue sobre o chão!
É preciso estar atento e forte!
Não temos tempo de temer a morte!
Tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso,
Atenção para o refrão: uau!

* VELOSO, Caetano. "Divino, maravilhoso". In: Os grandes momentos dos festivais da música popular brasileira. São Paulo: SETA, 1977, l. B, f. 4.

*** HINO DA REPRESSÃO ("HINO DE DURÁN)***

Por CHICO BUARQUE DE HOLANDA*

Se tu falas muitas palavras sutis
E gostas de senhas, sussurros, ardis
A lei tem ouvidos pra te deletar
Nas pedras do teu próprio lar.
Se trazes no bolso a contravenção
Muambas, baganas e nem um tostão
A lei te vigia, bandido infeliz
Com seus olhos de raio X.
Se vives nas sombras, frequentas porões
Se tramas assaltos ou revoluções
A lei te procura amanhã de manhã
Com seu faro de doberman.
E se definitivamente a sociedade
só tem desprezo e horror
E mesmo nas galeras és nocivo,
és um estorvo,
és um tumor
A lei fecha o livro, te pregam na cruz
Depois chamam os urubus.
Se atiras mendigos
No imundo xadrez
Com teus inimigos
E amigos, talvez
A lei tem motivos
Pra te confinar
Nas grades do teu próprio lar.
Se no teu distrito
Tem falta de sessão
De afogamento, chicote,
Garrote e punção
A lei tem caprichos
O que hoje é banal
Um dia vai dar no jornal.
Se manchas as praças
Com teus esquadrões
Sangrando ativistas
Cambistas, turistas, peões
A lei abre os olhos
A lei tem pudor
E espeta o seu próprio inspetor.
E se definitivamente a sociedade
só te tem desprezo e horror
E mesmo nas galerias és nocivo,
és estorvo,
és um tumor
Que Deus te proteja
És preso comum
na cela faltava esse um.

* BUARQUE, Chico. "Hino da repressão". In: Ópera do malandro. Rio de Janeiro: Polygram, 1985.









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