A IMPORTÂNCIA DAS ARTES PARA A FORMAÇÃO HUMANISTA DE UM POVO

Por JOSÉ MARTÍ (Advogado, Escritor, Jornalista e Líder da Independência de Cuba, 1853-1895)

(1) Por que se deve cultuar as artes?
O culto das artes enobrece o ânimo e embeleza as fisionomias. Há sempre no ânimo disposição secreta a falar de coisas belas. O espírito faz festa com todas as produções dele, e isto porque a força animadora é una e há fraternidade oculta em todas as formas de expressão do ser. Mais pode a simpatia do que a inveja porque há sobre a terra mais flores do que serpentes e no céu mais nuvens azuis do que obscuridades anunciadoras de furacão.
É bom se utilizar das artes para se esquecer das pequenezes diárias. Como a beleza é a conformidade do espírito com todo o indecifrável, o admirável, o imerso, o vago, o belo se expressa melhor quanto mais meios tem para se revelar, menos obstáculos para se produzir, mais instrumentos com que possa refletir a abstrata necessidade de encontro do homem consigo mesmo.
(2) Qual a importância da literatura e do teatro para um povo?
Os povos que habitam nosso Continente, os povos nos quais a inteligência da raça latina tem se misturado com a vitalidade brilhante da raça da América, pensam de uma maneira que tem mais luz, sentem de uma maneira que tem mais amor, e veem no teatro – não de cópias servis de naturezas esgotadas – o surgimento original de indivíduos novos.
A independência do teatro é um passo a mais no caminho da independência de uma nação. O teatro derrama a sua influência nos que, necessitados de espairecimento, vão até ele. Como quer ter vida própria e altiva o povo que paga e sofre a influência dos declínios e despojos repugnantes da gasta vida alheia?
A literatura é a bela forma dos povos. Com povos novos, a lei essencial é que uma literatura nova surja. Toda classe de proteção merece o ator modesto e estudioso que se esforça em acostumar o seu povo com o conhecimento, o estímulo à cultura e o aplauso. O teatro é cópia e consequência do povo. Um povo que quer ser novo, necessita produzir um teatro original. Irrita ver um povo novo e rico em inteligências férteis e criadoras servilmente apegado a um teatro cansado e alheio.
Toda nação deve ter um caráter próprio e especial; há vida nacional sem literatura própria? Há vida para os gênios pátrios num cenário cultural sempre ocupado por débeis ou repugnantes criações estrangeiras? Vive um povo sem teatro? Vive um povo por acaso sem sociedade própria? Não estimula a natureza a imitá-la? Não exaltam os costumes aos espíritos nobres? Não repudiam os honrados os aspectos que prejudicam em sua constituição o povo e em seu crédito e porvir à nação?
A poesia é, ora inconformadas feras com irremediáveis dificuldades da vida, ora forma delicada dos belos e puros sentimentos. Um jovem, se é austero, deve se refrescar com a leitura de poesias belas, libertar os seus sentimentos profundos, despertar em si próprio emoções que o distancie da rudeza natural de seu espírito. A lei é que termine a fatigosa poesia convencional, rimada com palavras sempre iguais que obrigam a uma semelhança repudiante das ideias. Não se fazem versos para que se pareçam aos dos outros: fazem-se porque se desperta no poeta uma chama de fulgor esplêndido, e inflamado com o seu calor, ali brota em rimas o quanto que em sua alma brota de amor. Que tudo, até mesmo a dor, deve ser e parecer amor no poeta. No poeta deve haver uma grande potencialidade observadora. A poesia não é o canto débil de natureza plástica; esta é a poesia dos povos escravos e covardes. A poesia das nações livres, a dos povos donos de si mesmos, a da nossa terra americana, é a que desempenha e penetra no homem as razões da vida e na terra os germes do ser.
Referência:
México - Revista Universal, 1875. In: Obras Completas. Tomo 6. La Habana: Editorial Nacional de Cuba; Editorial del Consejo de Universidades, 1963.



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