A LEI DE CRIAÇÃO DAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS - 1827
(Qual a foi a primeira legislação educacional do Brasil independente?)
Por ELOMAR TAMBARA / EDUARDO ARRIADA/ JOSÉ RICARDO PIRES DE ALMEIDA
(1) O texto da Lei das Escolas de Primeiras Letras:
A Lei de 15 de outubro de 1827 é considerada a primeira legislação educacional do Brasil independente, determinando a criação de "Escolas de Primeiras Letras". O texto da Lei das Escolas de Primeiras Letras desdobra-se em 17 artigos. Além do primeiro artigo que determinou a criação das Escolas de Primeiras Letras "em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos", cabe destacar os artigos 4.º e 5.º, referidos à adoção obrigatória do método e da forma de organização preconizados pelo "ensino mútuo", e o artigo 6.º que estipula o conteúdo que os professores deverão ensinar: "ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, os princípios de moral cristã e de doutrina da religião católica e apostólica romana proporcionadas à compreensão dos meninos".
Essa primeira lei de educação do Brasil buscava difundir as luzes garantindo, em todos os povoados, o acesso aos rudimentos do saber que a modernidade considerava indispensáveis para afastar a ignorância. Contemplava os elementos que vieram a ser consagrados como o conteúdo curricular fundamental da escola primária: leitura, escrita, gramática da língua nacional, as quatro operações de aritmética, noções de geometria, ainda que tenham ficado de fora as noções elementares de ciências naturais e das ciências da sociedade (história e geografia). Dada a peculiaridade da nova nação, que ainda admitia a Igreja Católica como religião oficial e estava empenhada em conciliar as novas ideias com a tradição, entende-se o acréscimo dos princípios da moral cristã e da doutrina da religião católica no currículo proposto.
Estava, também, em consonância com o espírito da época a adoção do "ensino mútuo", com o qual se esperava acelerar a difusão do ensino atingindo rapidamente e a baixo custo grande número de alunos. Pela Lei das Escolas de Primeiras Letras, esse método de ensino tornou-se oficial em 1827, ensaiando-se a sua generalização para todo o país.
(2) O que é o método do ensino mútuo?
Proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell, pastor da Igreja Anglicana, e Joseph Lancaster, da seita dos Quakers, o método mútuo, também chamado de monitorial ou lancasteriano, baseava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares do professor no ensino de classes numerosas. Embora esses alunos tivessem papel central na efetivação desse método pedagógico, o foco não era posto na atividade do aluno. Na verdade, os alunos guindados à posição de monitores eram investidos de função docente.
O método supunha regras predeterminadas, rigorosa disciplina e a distribuição hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo. De uma das extremidades do salão, o mestre, sentado numa cadeira alta, supervisionava toda a escola, em especial os monitores. Avaliando continuamente o aproveitamento e o comportamento dos alunos, esse método erigia a competição em princípio ativo do funcionamento da escola. Os procedimentos didáticos tradicionais permanecem intocados.
Buscava-se o equacionamento do método de ensino e de disciplinamento, correlacionados um ao outro. A maior habilidade exigida e a ser desenvolvida no processo de ensino e aprendizagem era a memória. Não se admitia a conversa durante as aulas. Esta era considerada um ato de indisciplina, uma vez que no entendimento de Joseph Lancaster era impossível falar e aprender ao mesmo tempo. O aluno falante era punido com severidade. Entre as punições a serem aplicadas aos alunos, haviam os castigos físicos e os constrangimentos morais.
(3) Os limites da Lei das Escolas de Primeiras Letras:
Se a Lei das Escolas de Primeiras Letras tivesse viabilizado, de fato, a instalação de escolas elementares "em todas as cidades, vilas e lugares populosos" como se propunha, teria dado origem a um sistema nacional de instrução pública. Entretanto, isso não aconteceu. Em 1834, por força da aprovação do Ato Adicional à Constituição do Império, o governo central desobrigou-se de cuidar das escolas primárias e secundárias transferindo essa incumbência para os governos provinciais. As Assembleias Provinciais, por sua vez, procuraram logo fazer uso das novas prerrogativas votando uma multidão de leis incoerentes sobre instrução pública, afastando-se, portanto, da ideia de sistema. Os relatórios dos ministros do Império e dos presidentes de províncias ao longo do período imperial evidenciam as carências do ensino. O Ato Adicional de 1834 apenas legalizou a omissão do poder central na matéria educacional.
Na primeira metade do século XIX, sob a vigência da Lei das Escolas de Primeiras Letras, a instrução pública caminhou a passos lentos. As críticas principais recaíam sobre a insuficiência quantitativa, falta de preparo, parca remuneração e pouca dedicação dos professores; a ineficácia do método lancasteriano atribuída, sobretudo, à falta de instalações físicas adequadas à prática do ensino mútuo; e a ausência de fiscalização por parte das autoridades do ensino, o que tornava frequente nos relatórios a demanda pela implantação de um serviço de inspeção das escolas.
Referências:
ALMEIDA, José Ricardo Pires de. História da instrução pública no Brasil (1500-1889). Brasília; São Paulo: INEP; PUC-SP, 1989.
TAMBARA, Elomar; ARRIADA, Eduardo (Org.). Coletânea de leis sobre o ensino primário e secundário no período imperial brasileiro: Lei de 1827; Reforma Couto Ferraz-1854; Reforma Leôncio de Carvalho-1879. Pelotas: Seiva, 2005.
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