DESTRUIÇÃO DA MEMÓRIA DURANTE O REGIME MILITAR DE 1964-1985

(Fatos históricos sobre Cultura e Educação durante a Ditadura Militar)

Por VLADIMIR SACHETTA / PAULO CÉSAR AZEVEDO
Em 1977, quando demos início à pesquisa do fascículo "Nosso Século", da Abril Cultural, constatamos, na prática, as dificuldades de se estudar a história do País e, sobretudo, o desleixo com a preservação da chamada memória nacional. Em três anos de trabalho, descobrimos, por exemplo, que os arquivos do jornal "Última Hora", fundado pelo jornalista Samuel Wainer em 1951, não mais existiam. Com a venda do diário carioca, em 1971, os seus arquivos foram colocados na rua, depois levados pela Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro) e incinerados. Com o 'Correio da Manhã', também do Rio, quase aconteceu a mesma coisa. Os arquivos foram salvos por acaso. Os móveis de aço da empresa foram leiloados e arrematados pelo empresário Fernando Gasparian, dono do ex-semanário "Opinião" e da editora Paz e Terra. Dentro dos móveis, como brinde, estava todo o material fotográfico do jornal. Depois de tentar vendê-lo a empresas editoriais, sem sucesso, o empresário doou o acervo ao Arquivo Nacional, Rio, onde em 1984 ainda estava à espera de organização.
Se a falta de zelo da nossa imprensa é evidente, pesquisar a história brasileira ficou extremamente difícil. Repressivos na política, os governos militares pós-1964 se preocuparam em "zelar" pela nossa "memória" principalmente com os dados referentes à nossa política externa. Segundo um rígido decreto do governo Costa e Silva (o de n.º 4.122, de 1968), o público só poderia ter acesso aos documentos anteriores a 1900. Assim mesmo, a Guerra do Paraguai continuava uma exceção.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, na Inglaterra e em muitos outros países, tudo estava classificado com o uso de modernos computadores. Em Londres, segundo lei de 1958, o Public Record Office liberava para consulta todos os documentos anteriores a 30 anos, tanto na política interna como externa. Documentos sobre a escravidão brasileira, que no Brasil foram queimados, estavam catalogados e disponíveis a qualquer pesquisador. Foi com essa abertura no Exterior que o cineasta Silvio Tendler conseguiu completar os filmes-documentários "Jango" e "Anos JK".
Para fazer "Olga", um livro sobre a vida de Olga Benário, o deputado estadual (PMDB-SP) e jornalista Fernando Morais enfrentou uma dura maratona internacional. Mas conseguiu chegar aos arquivos do Departamento de Estado e Arquivo Nacional dos EUA, pesquisou na Alemanha Oriental (após a derrocada do Leste europeu em 1990, deu-se a reunificação das duas Alemanhas), na Fundação Feltrinelli, em Milão (Itália), onde existe um arquivo histórico do Movimento Operário Brasileiro, originalmente surgido de documentos de Astrogildo Pereira. No Brasil, porém, o arquivo do Itamaraty, o segundo maior do País, negou-se a fornecer qualquer informação.

Referência:
SACHETTA, Vladimir; AZEVEDO, Paulo César. Destruição da memória. In: Retrato do Brasil. São Paulo: Política Editora, 1985, v. 1, p. 245.



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