NÃO TE RENDAS NESTA VIDA POR NADA, NEM PARA A MORTE, SE A TUA CAUSA É NOBRE
(Texto escrito por mim sob a inspiração de poema atribuído ao escritor uruguaio Mario Benedetti)
Por JORGE ESCHRIQUI
Após tentativa de Golpe de Estado, perigo de ser cassado e, consequentemente, morto ou exilado mesmo doente; após dias, semanas, meses e anos que parecem intermináveis com uma enfermidade que consume o meu físico e mental; após acordar a cada dia e se satisfazer com o fato de que amanheci vivo; após ser abandonado por muita gente no meio da caminhada do tratamento de saúde; por que, mas por que decidi não desistir de manter as minhas lutas pessoais por um país melhor se nem eu sei o que me espera? Porque aprendi com alguns atores da História, como por exemplo, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Francisco Julião, José Mujica, Rubens Paiva, José Martí, Ulysses Guimarães, entre tantos outros que abordei nas minhas redes sociais e em meu blog, que nós não podemos apenas passar por esta vida.
Nós precisamos usufruir cada momento da nossa existência, ainda que seja com dor física, mental e espiritual. Isto implica, pelo menos para mim (e a professora Marli que me conhece desde os tempos de adolescente na escola sabe bem desta marca pessoal), que precisamos deixar um legado por mais ínfimo que seja neste mundo, mas principalmente para o nosso país.
Aliás, ao tocar nas lembranças de escola, sem me gabar de nada (com o olhar retrospectivo, considero que eu era um adolescente bem "estranho" e "diferente" na época), com 13, 14, 15, 16 e 17 anos já escrevi redações e livretos com projetos de política nacional desenvolvimentista e mais igualitário para o Brasil. Os professores de História, Geografia, Sociologia e Redação talvez sofriam com as enxurradas de textos que escrevia espontaneamente sobre a realidade e os ideias de um país melhor, justo, soberano e desenvolvido, embora logicamente dentro dos parâmetros de relativa inocência de um adolescente, desconhecimento de obras mais profundas sobre os temas abordados e percepção muito vaga de conceitos que só a convivência acadêmica aprofundariam em mim. Às vezes me questiono se quanto maior o sonho irrealizável, maior não seria o tombo para a realidade... Enquanto os meus colegas e amigos de escola da mesma idade queriam paquerar, passar nas provas, comprar roupas e acessórios de marca dos anos 1990 (Company, Pakalolo, Redley, etc.), curtir baladinhas, ouvir Legião Urbana ou músicas internacionais, entre outras coisas normais para um adolescente daquele período, eu sonhava em ser o "Presidente da República" e fazer mudanças profundas para o bem do Brasil e do povo. Era bem inocente. Não tinha noção de como funcionava os famosos bastidores da política nacional. Cresci, amadureci e o sonho da política institucional ficou para trás. Percebi que sou mais útil com a minha escrita e o meu conhecimento que não abrem mão do seu engajamento e luta por causas sociais.
Contudo, acho atualmente que aquilo que me diferenciava dos outros colegas e amigos de escola meio que traçava um pouco do caminho que eu trilharia na vida. Consciência política, luta pelo bem-estar geral, patriotismo sem alienação ou hipocrisia, desenvolvimento nacional, etc. E eu tive sorte que, embora estudasse em um colégio bem conservador e religioso, contei com a compreensão em geral de alguns professores e de quase todos os colegas e amigos de sala de aula. Orgulhava-me de ser por um breve período presidente do grêmio estudantil, de defender a República em uma apresentação que imitava o plebiscito sobre regime e forma de governo de 1992. Sentia-me uma espécie de Leonel Brizola discursando e vibrando com a vitória do plebiscito simulado pela escola. Ganhamos: a República Presidencialista venceu! Sonhos de adolescente ficaram para trás e cederam o lugar para outros como graduação, mestrado, doutorado, pós-doutorado, publicação de livros, etc. Entretanto, algo não morreu daquela época: o sonho de um país mais justo, igualitário, digno, desenvolvido e soberano para todos! De certa forma, as minhas últimas pesquisas e os meus artigos do pós-doutorado traziam muito desta herança juvenil.
Fui filho de classe média, servidores públicos federais, que sempre me deram tudo que uma criança, um jovem e um adolescente desejam. Todavia, isto não me fez um egoísta, elitista, alienado e acrítico dos problemas do Brasil. Pelo contrário, a minha consciência política e vontade de contribuir de alguma forma para a sociedade, ainda que fosse apenas através dos meus humildes textos e do estudo, levaram-me desde a graduação a me dedicar às diversas ciências humanas, com destaque para a História e a Ciência Política. Esta conversa atual de extrema direita que a universidade pública torna os estudantes em "comunistas" é mais uma farsa. Ninguém me impôs uma teoria, metodologia ou pensamento específico. Eu era sim avaliado nas provas se dominava minimamente as diversas teorias da História e de outras ciências humanas. Como a Universidade de Brasília dava a oportunidade do aluno fazer disciplinas obrigatórias, mas também escolher por livre arbítrio disciplinas optativas, fiz diversas no Departamento de Ciência Política, entre as quais um ano de Teoria Política Marxista I e II com o Prof. Dr. Paulo Afonso. Era doutrinação? Não, nunca foi. Era estudo sério de obras, inclusive de quase todo o Capital de Karl Marx durante um semestre, para conhecer e apontar os aspectos úteis para a compreensão da realidade, os pontos negativos (como o determinismo histórico) e a evolução da teoria marxista através da sua influência na produção intelectual em diversas áreas do conhecimento em vários momentos históricos. Como o próprio professor afirmava, "você não estuda para ser marxista. Você estuda a teoria para conhecê-la, aplicá-la se achar interessante ou criticar de maneira fundamentada. Afinal, você não pode criticar aquilo que não conhece". Nunca um aprendizado seria tão sugestivo para os dias atuais como essa fala à época do professor. Vivemos dias em que se fala bastante, todo mundo é especialista em tudo, há opiniões vazias de todo tipo e quando se busca extrair algo de essencial neste emaranhado de textos compartilhados por "opinólogos" ou "especialistas de Whatsapp" praticamente ou nada se aproveita.
Ser um autêntico patriota, ser politicamente de esquerda, ser democrata, ser cidadão é acima de tudo doar um pouco de si para a melhoria da sociedade. Egoísmo, espírito derrotista, viver sem ter lutado por nenhuma conquista não combina em nada com cidadania, democracia e autêntica esquerda. Ah, mas você é apenas uma formiga perto dos "verdadeiros atores da História" que dominam e detêm o poder político, econômico, social e militar para tomarem decisões relevantes para os destinos da coletividade. Quantas vezes ouvi isto... Não me importei, não me importo, não me importarei com tal discurso.
Preocupo-me em fazer a minha parte na medida do possível enquanto eu tiver sangue correndo nas veias, um coração pulsando no peito, uma mente para compreender o que se passa ao redor de mim, dois olhos para enxergar as injustiças, as desigualdades e os autoritarismos e, antes de tudo, uma alma ou humanidade para sofrer por aqueles que sempre penaram na sociedade, mas que quase sempre não têm voz (nem de "formiguinha" como a minha é) para expressarem as suas dores por serem invisíveis para a ampla maioria dos indivíduos e grupos sociais deste país. Usar do meu estudo, do meu conhecimento e do meu saber aprendido no banco das universidades e na caminhada da vida para denunciar e propor soluções (ainda que não seja ouvido, ou pior, até seja perseguido por causa dos meus posicionamentos políticos, taxado simploriamente de "comunista") para os problemas nacionais e mundiais me faz sentir humano verdadeiramente e não mais um "doutor ou pós-doutor" que apenas tem vários diplomas e fotos com becas de formatura penduradas na parede para me ostentar.
Posso ser uma "formiguinha", mas uma rebelde que jamais deixou que a tratassem como massa de manipulação ou manobra desde os tempos de escola. Sou mais um indivíduo na coletividade? Lógico que sim! Sou produto cultural da sociedade em que estou inserido? Lógico que sim! Caso contrário, seria excluído dela. Mas isto não implica que eu não tenha a minha própria personalidade, as minhas próprias ideias e as minhas próprias utopias sobre o mundo e o meu país. Faço parte da coletividade, mas sem perder a minha identidade individual e a minha capacidade de pensamento crítico e reflexivo sobre a realidade que me cerca. Junto-me aos que buscam algo melhor para este mundo e país como eu, pois sozinhos somos gota d´água no oceano, mas unidos podemos ser uma tromba d´água em uma chuva de transformações políticas, sociais, econômicas e culturais.
Camaradas, companheiros, companheiras, colegas, amigos ou amigas (como preferirem ser chamados e chamadas), um indivíduo morre quando desiste dos seus ideais, deixa levar-se pelo espírito derrotista e não acredita em uma sociedade melhor para todos! São estas características que nos diferenciam deles. Não inventamos realidades paralelas, não nos conformamos com as injustiças e desigualdades, não vendamos propositalmente os nossos olhos para o mundo ao nosso redor e, acima de tudo, não fugiremos jamais da mobilização, seja por causa de enfermidade, idade ou mão dos nossos carrasco. Podemos até cair, mas sempre de pé. É isto que nos diferencia deles! Pensem sempre nisto!
Recebemos um legado de figuras históricas que marcaram as nossas formações e visões de mundo e cabe a cada um de nós (com ou sem censura, com ou sem perseguição, com ou sem saúde, com ditadura ou democracia no Brasil) levar este legado adiante e transferi-las para as novas gerações. É isto que nos faz efetivamente autênticos patriotas, cidadãos, democratas e politicamente de esquerda!
Nada pode ser maior que nossa causa, nem mesmo a enfermidade ou a morte física. Afinal, morre o indivíduo, mas se ele deu real sentido à vida, fica o seu legado por menor que seja para este mundo. Assim, ele pode descansar e dizer... Fiz a minha parte e a vida realmente valeu a pena! Vivo atualmente cada dia (não sei o que me reserva o amanhã) com este sentimento de que, quando for a minha hora, cairei, mas de pé por minhas causas!
*** NÃO TE RENDAS***
Poema atribuído ao escritor uruguaio MARIO BENEDETTI
"Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos,
Soltar o lastro,
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.
Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo,
Porque não existem feridas que o tempo não cure,
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,
Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos,
Abrir as asas
E tentar de novo,
Celebrar a vida e se apossar dos céus.
Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinho".