O QUE O PROFESSOR ENCONTRAVA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DURANTE O REGIME MILITAR DE 1964 A 1985?

(Fatos históricos sobre Cultura e Educação durante a Ditadura Civil Militar)

   Por DERMEVAL SAVIANI
   À frente de sua mesa, a sala superlotada de alunos; atrás, um quadro-negro e... giz, se tivesse sorte. Mas... e a biblioteca de classe, o laboratório, o material didático? Descobria que isso tudo não passava de luxo reservado a raríssimas escolas. Eis, pois, o primeiro ato de seu drama. O professor deveria ser o centro do processo de aprendizagem; deveria dominar com segurança os conteúdos fundamentais que constituem o acervo cultural da humanidade e transmiti-los de modo que garantisse que seus alunos os assimilassem. Em suma: ele não podia relacionar-se pessoalmente com os alunos, mas cabia-lhe fazer com que aprendessem. Ficava confuso. Não compreendia bem o que se passava. Então ele se revoltava, desanimava. Mas, enfim, havia um calendário a ser cumprido, era preciso dar aulas, desincumbir-se de algum modo da tarefa que lhe fora atribuída. Para contornar os problemas, buscava apoio nos colegas que já lecionavam na mesma escola antes que ele chegasse, acomodava-se, adaptava-se.

   Entretanto, o drama do professor não terminava aí. O segundo ato começou quando despencaram sobre ele as exigências da pedagogia oficial. Ele devia ser eficiente e produtivo. Para isso, deveria atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Logo, deveria racionalizar, planejar suas atividades. Para isso havia a semana de planejamento, em que deveria preencher certo número de formulários, indicando coisas como objetivos educacionais, objetivos instrucionais, estratégias, conteúdos, procedimentos didáticos, avaliação somativa... Sua disciplina era um módulo que fazia parte de um 'pacote' que era um subsistema (aberto, de preferência). Se operacionalizasse os objetivos e executasse cada passo de acordo com as regras preestabelecidas, o resultado previsto seria atingindo automaticamente. O professor não sabia, mas ele intuía, sentia na pele que tudo isso não passava de uma tentativa, ainda que abortada, de "taylorizar" o ensino. Com isso ele era deslocado do eixo do processo educativo. Seu trabalho tendia a ser objetivado. Já não era mais o processo do trabalho pedagógico que se ajustaria a seu ritmo, mas era ele que deveria se ajustar ao ritmo do processo pedagógico. A tal ponto que ele poderia ser substituído indiferentemente, sem prejuízo do processo, por qualquer outro professor, ou até mesmo pela máquina: a máquina de ensinar. O professor demonstrava boa vontade, ensaiava enquadrar-se no esquema, mas... como podia identificar-se com algo que parecia nada ter a ver com ele, que era tão impessoal? Então ele relutava, esquivava-se, resistia e contornava: atendia formalmente às exigências e agia à sua moda.

   Não bastava as agruras que afligiam o professor, começava o terceiro ato de seu drama. Ele se sentia vítima de uma exploração. Não estava cada vez mais sendo proletarizado? O desânimo abatia-se sobre ele. Uma onda de pessimismo invadia sua mente. Passava-lhe pela cabeça a ideia de mudar de profissão. Mas a coisa não era tão simples assim. Afinal, não fora sem alguma razão que ele acabou tornando-se professor. Iniciava-se a preocupação com o aspecto econômico-corporativo, portanto, de caráter corporativo, cuja expressão mais saliente era dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final dos anos 1970 e se repetiram em ritmo, frequência e duração crescentes ao longo da década de 1980. Greves protagonizadas pelas entidades sindicais dos diferentes estados, articuladas em âmbito nacional pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

   O setor governamental no período do regime militar foi marcado pela escassez e, até mesmo, pela ausência de medidas efetivas tendentes a resolver os graves problemas que impediam uma verdadeira democratização do acesso a uma educação pública de qualidade. Aliás, a grande mobilização do campo educacional verificada nos anos de 1980 se explica exatamente pela ausência de medidas efetivas no âmbito da política educacional durante o regime militar, apesar de algumas iniciativas pontuais neste sentido voltadas para as crianças e jovens das camadas populares por parte de gestões municipais oriundas das eleições de 1976, passando por governos estaduais surgidos do estabelecimento das eleições diretas para governadores de estado em 1982. A experiência de Piracicaba - SP, por exemplo, tornou-se referência para a busca de um modelo de administração democrática da educação pública municipal. Em nível estadual, diversos governos de oposição ao regime militar, eleitos em 1982, ensaiaram medidas de política educacional de interesse popular, destacando-se: (1) Minas Gerais, com o Congresso Mineiro de Educação, o combate ao clientelismo e a desmontagem do privatismo, colocando a educação escolar pública no centro das discussões; (2) São Paulo, com a implantação do ciclo básico, o estatuto do magistério, a criação dos conselhos de escola e a reforma curricular; (3) Paraná, com os regimentos escolares e as eleições para diretores; (4) Rio de Janeiro, com os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPS), apesar de seu caráter controvertido.
   Referência:
 SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2019.



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