O SONHO
Por ROLANDO BOLDRIN
Uma noite tive um sonho muito lindo
Sonhei que Jesus de Nazaré havia fugido do Céu
Havia rompido o véu do espaço
Voando feito um passarinho
Até pousar suavemente pertinho de mim.
Mas ele veio em forma de um menino
Desses meninos levados
Que de repente saem a correr alegremente pelos campos floridos
Brincando e rolando nos capinzais
Sempre rindo com risos altos
Em tons fulgurais.
Era como se ele,
Jesus,
Pensasse agora não na pesada cruz de outrora,
Mas sim nos versos do imortal poeta
Às sombras dos laranjais:
"Ai que saudade que tenho da aurora da minha vida
Da infância querida que não volta mais".
E no meu sonho
Eu entendia que Jesus havia se cansado do próprio olhar
Daquele sujeito sério,
Compenetrado,
E que agora queria que ninguém ficasse a lamentar
Por suas mãos pregadas na cruz
A reclamar da ingratidão dos homens
De todos os mistérios da paixão
Nem da coroa de espinhos
Ou do seu pobre e dilacerado coração.
Não!
Jesus havia se cansado até mesmo de morrer sozinho
Ele não queria agora pensar naquele dia
Em que trazia à volta da cintura apenas um trapo
Ele queria esquecer aquela imagem triste e de amargura
Esquecer as rochas pesadas das montanhas:
A sua sepultura.
Ah...
O Jesus dos meus sonhos havia também se cansado de haver ressuscitado
Agora todo o seu passado tinha que ficar escondido para trás
Agora o rei dos reis dos cristãos queria tão somente ser um menino
Uma criança e nada mais.
E eis que agora
Vejo e sinto ele,
Jesus,
Pertinho de mim
A olhar para mim
Zombando do meu jeito triste e solitário de encarar a vida.
Vendo-me,
Este pedaço de poeta de coração empedrecido,
Sofrido,
De repente ele me diz:
"Me dê aqui a sua mão,
Vem comigo,
Vamos correr no tempo do infinito!
Pense em dois moleques atrevidos...
Pensou?
Então,
Somos nós dois agora".
Disse isso e me ofereceu a mão
Levando-me rumo a uma avermelhada aurora
Então,
Nessa hora,
Rompeu um majestoso dia
Um dia glorioso
Cheio de paz e alegria.
E lá fomos nós correr
Eu e ele de mãos dadas pela sertania
Entre os verdes campos da minha terra
Eu me sentia leve feito pluma
Feito pena
Eu flutuava a passos largos
Nem notei que o meu cajado havia ficado para trás
Aquele meu cajado que há tempos
Vinha me ajudando a arrastar as minhas pernas pesadas
Pelo peso da idade.
E ele,
Jesus,
Ia me levando
E mostrando coisas deslumbrantes
Até a florida
E as matas verdejantes.
De repente chegamos a uma cidade
Havia ali um grande parque de diversões
Ele me convidou a brincar em seus brinquedos feitos anjos
Subimos na gangorra,
Roda gigante,
Carrossel.
Baleiros e pipoqueiros passavam gritando
Realejos tocando aquela música festiva
Me levavam a sonhos com uma alegria viva
Um verdadeiro Céu.
E ele,
De vez em quando,
Parava e me perguntava:
"Então, você está gostando?"
Eu estava extasiado de contentamento
"Está cansado?",
Ele perguntou.
Não.
Em um momento o meu cansaço da vida havia se evaporado como por encanto
Eu estava leve
Leve para andar
Ágil para soltar.
Subia sem sentir os montes
Nenhuma dor cativa no meu peito machucado de poeta
Enfim,
Eu estava agora feliz
E ele sempre a me olhar.
De repente,
Em um jeito enigmático,
Ele fala sério
E o seu semblante de menino vai se transformando
Até formar o rosto barbudo de um imponente rei dos cristãos
E aí fita-me com um olhar doce e bom
E diz:
"Poeta,
O Céu é todo seu.
Pode entrar!"
E aí,
Então,
Eu acordei...
Imagem:
Pintura do artista brasileiro Cândido Portinari intitulada "Meninos Brincando" (1955).
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