A OBRA "INSTRUÇÃO PÚBLICA NO BRASIL" (1867)* DE JOSÉ LIBERATO BARROSO: O PRIMEIRO ESTUDO DE CONJUNTO SOBRE A EDUCAÇÃO NACIONAL E A TRATAR DO ENSINO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DO BRASIL
(1) Vida e obra de José Liberato Barroso:
Foi Deputado Provincial e Deputado-geral pela sua província. Ocupou cargo de Ministro do Império e presidiu a província de Pernambuco em 1882. Quando Ministro, teve a delicada missão de referendar os contratos de casamento das Princesas Isabel e Leopoldina e foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Ernestina, da Casa Ducal da Saxônia. Um dos fundadores e Presidente da Sociedade de Aclimação do Rio de Janeiro, cujos objetivos se assemelhavam aos das entidades ecológicas dos dias atuais.
Entre as obras que publicou, destaca-se "A instrução pública no Brasil" publicada em 1867. Essa obra inaugura a fase final do Império, período fértil em propostas e projetos voltados para solucionar, de forma unificada, o problema da educação nacional, ainda que tais projetos não tenham obtido êxito prático. Trata-se um trabalho que deve ser estudado por educadores e pesquisadores por ser considerado o primeiro estudo de conjunto sobre a educação brasileira.
Ademais, Liberato Barroso defendeu o fim do cativeiro negro, participando de atividades da Sociedade Abolicionista Cearense. Morreu no Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1885.
(2) Quais temas sobre a educação nacional são abordados na obra "A instrução pública no Brasil" de 1867?
"A instrução pública no Brasil" aborda os vários ramos e níveis de ensino, não apenas os tradicionais, como o primário, secundário e superior, mas também o profissional, o ensino religioso, normal, militar e de adultos e outros então não contemplados, como o ensino de deficientes. E trata, ainda, de temas que só posteriormente viriam a ser mais bem equacionados, tais como a secularização do ensino, as sociedades científicas, literárias e industriais e o orçamento da instrução pública.
Nessa obra, representando a concepção dominante de então, José Liberato Barroso defende, além da obrigatoriedade escolar, a educação como elemento de conservação do status quo e fator de integridade nacional, posicionando-se ao mesmo tempo contra os liberais e os católicos retrógrados: "Se a liberdade se abraça com a fé para condenar as pretensões do racionalismo, que a enlutou de horrores nos últimos dias do século passado; a fé abraça-se com a liberdade para condenar as pretensões do fanatismo e da intolerância, que enchem tantas páginas negras da história das nações" (p. 44).
Do mesmo modo que buscava conciliar dogma e liberdade, fé e razão, José Liberato Barroso pretendia conciliar obrigatoriedade escolar com ensino livre; a vigilância do Estado com a iniciativa privada no campo da instrução: "Tem sido contestada a necessidade da intervenção do Estado no ensino e instrução popular. A seita dos economistas, que seguem à risca o princípio do laissez faire, laissez passer, e os católicos retrógrados, que pretendem entregar o ensino à direção exclusiva da Igreja, a combatem. A história da instrução pública em todos os países civilizados oferece a prova mais robusta da necessidade desta intervenção" (p. 63).
A respeito da problemática do ensino livre, Liberato Barroso afirma que "entre nós se tem cometido em matéria de ensino primário um erro duplo. O Estado, cuidando pouco de generalizar e derramar o ensino, cria ao mesmo tempo embaraços à iniciativa individual e à liberdade. Ao lado do ensino primário gratuito e obrigatório deve marchar e se desenvolver o ensino livre. O Estado deve exercer uma inspeção salutar sobre a liberdade de ensino, mas não criar-lhe embaraços e dificuldades. O desenvolvimento do ensino livre limita a necessidade do ensino oficial e traz economia para o Estado, cuja inspeção salva os interesses da moral e da ordem social "(pp. 61-62).
(3) O ENSINO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
Por meio de um decreto de 12 de setembro de 1854 foi criado no município da Corte (cidade do Rio de Janeiro) o Instituto Imperial de Meninos Cegos. Essa instituição propunha-se ministrar algumas disciplinas da instrução primária e secundária, como educação moral e religiosa, ensino de música e de ofícios fabris. Estes últimos recebiam grandes destaques, pois evidenciavam a finalidade pedagógica dessa instituição: colaborar para a profissionalização dos deficientes visuais de modo que pudessem ser incluídos na sociedade. O atendimento desse público, que poderia ocorrer no endereço da instituição – Morro da Saúde, Rua do Lasareto da Gamboa, Casa dos Coqueiros – ou na residência do profissional de educação, como em alguns casos, abrangia crianças de ambos os sexos, entre 6 e 14 anos. Em "A instrução pública no Brasil" de Liberato Barroso consta a informação de que, de acordo com o relatório do Ministério do Império do ano de 1867, a instituição contava com 28 alunos, sendo 18 do sexo masculino e 10 do sexo feminino.
Com relação às disciplinas e saberes ministrados na instituição, Liberato Barroso aponta em seu livro que o currículo compreendia tanto o ensino primário como algumas atividades do ensino secundário, que seriam "língua francesa, história, geografia, aritmética e álgebra", e que às atividades das meninas cegas eram ainda incluídas as prendas domésticas, como era comumente percebido nos colégios particulares da época (p. 228).
Acrescentando no seu apontamento que a música também era um componente deste repertório, Liberato Barroso observa que esta merecia, entretanto, um cuidado especial, por ser uma profissão a que os cegos podiam recorrer para que pudessem garantir sua subsistência. Ou seja, a esta disciplina era atribuído o projeto político de possibilitar aos alunos o estatuto de sociabilidade ou um papel de integração na sociedade a partir de um instrumento profissional. O ensino da música era demasiadamente importante para os alunos privados das faculdades da visão, pois era através dela que eles poderiam garantir uma subsistência futura. Entretanto, ainda de acordo com sua análise, nos dois últimos anos os alunos teriam "retrocedido nos ramos da prática" desta disciplina, devido à "saída de dois alunos e o falecimento de um dos mais aproveitados na execução dos instrumentos". Apontando o diagnóstico deste atraso, ele alerta que há "falta dos que são precisos para substituir os estragados imprestáveis". Ou seja, alunos mais adiantados, mais experientes e que estivessem por mais tempo seguindo as tarefas e aprendizagens dessa instituição serviam de exemplo ou mesmo como uma espécie de aluno monitor, auxiliar das aulas e tarefas do professor. Assim, torna-se "mister esperar pelo desenvolvimento ainda desconhecido das vozes e da aptidão para a música nos de tenra idade” e, ao mesmo tempo, por um profissional mais especializado, visto que também tem percebido "o estrago das vozes mal aproveitadas e educadas à míngua de um professor especial de canto" (pp. 227-228). Já sobre o ramo teórico desta disciplina, informa em sua obra que os alunos de primeira classe apresentam um bom desenvolvimento, "mas carecem ainda de aprender suficientemente as regras de instrumentação" (p. 227). Enquanto isso, os alunos de segunda classe apresentavam melhores resultados, pois, de acordo com o autor, os estudantes "leem e escrevem perfeitamente a música, conhecem todos os seus princípios elementares, solfejam e executam as escalas otimamente" (p. 228).
De acordo com Liberato Barroso, no relatório do diretor do instituto, Dr. Cláudio Luiz da Costa, referente ao ano de 1864, constam informações de que os alunos "progrediam nas disciplinas" (p. 228), tanto nas que pertenciam ao ensino primário quanto nas do ensino secundário, e complementa diagnosticando que na geometria o ensino estaria estagnado devido à falta de materiais apropriados, assim como no ensino das ciências naturais. Esse autor acrescenta ainda que "os livros, compêndios e instrumentos que existiam no estabelecimento, o governo tem mandado vir da Europa" (p. 229), dando a ver uma das maneiras pelas quais o poder público se manifesta com o subsídio material.
(4) O ENSINO PARA PESSOAS SURDAS-MUDAS:
O Instituto Imperial dos Surdos-Mudos foi criado no município da Corte por Ernet Huet em 26 de setembro de 1857. Localizada no Morro do Livramento, a aula de meninos desta instituição era dirigida pelo Senhor Huet, enquanto a aula para meninas, localizada na Rua de São Lourenço, era dirigida por sua esposa, a Senhora Huet.
O professor francês Ernet Hwet veio ao Brasil a convite do Imperador D. Pedro II para trabalhar na educação de surdos. Segundo Liberato Barroso, o Instituto Imperial dos Surdos-Mudos "não era dotado de recursos próprios e limitando-se o auxílio que lhe presta o Estado" (p. 228). Com relação ao público que frequenta esse Instituto, o autor de "A instrução pública no Brasil" aponta, baseando-se no Relatório do Ministério do Império, que constam 17 alunos com deficiência auditiva, 14 do sexo masculino e 3 do sexo feminino, todos na faixa etária estabelecida entre sete e dezesseis anos de idade.
José Liberato Barroso defendia em relação ao ensino de surdos-mudos que a importância de uma educação mais completa para integrar os equipamentos curriculares deste tipo de instituição, ao que atesta como deficiente nesse instituto: um ensino profissionalizante. Para ele, somente este ensino pode garantir "aos excepcionais" meios para uma subsistência futura. E destaca: "Conviria para completar-se a educação dos alunos, habilitando-os para exercerem profissões mecânicas, estabelecer algumas oficinas apropriadas, mas não o tem permitido a falta de meios. Apenas há uma provisória marcenaria" (p. 227).
Referência:
BARROSO, José Liberato. A instrução pública no Brasil. Pelotas: Seiva, 2005.
* Esta obra está disponível gratuitamente no formato digital no site da Biblioteca Digital do Senado Federal no seguinte endereço eletrônico:
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