O PROCESSO EDUCATIVO E AS EXIGÊNCIAS DA DEMOCRACIA

Por WILLIAM HEARD KILPATRICK (Um dos principais expoentes da Escola Progressiva ou Escola Ativa - corrente pedagógica escola novista norte-americana, discípulo de John Dewey, criador do Método de Projetos Educativos, professor do Teachers College da Universidade de Colúmbia - Nova Iorque e defensor incondicional da democracia)


"Fazer da democracia uma condição de êxito, não é tarefa muito fácil. A moderna teoria educativa diz-nos que não aprendemos senão aquilo que praticamos. Se quisermos aprender democracia, devemos praticá-la. Possivelmente, uma razão dos desapontamentos, por ela causados, é que nunca a experimentamos.

Claro é que se o mundo deve ser democrático, o povo precisa aprender a sê-lo; e qualquer que seja o regime educativo será preciso que se ensine isso, em qualquer lugar, de qualquer modo. Há um modo de a escola ensiná-lo: a escola precisa praticá-la. Até ainda há pouco, a escola era largamente autocrática. Nossos alunos, em geral, praticavam não a democracia, mas a obediência, para não dizer a subserviência. Aquilo que os alunos deviam fazer ou pensar lhes era meticulosamente determinado. Seu papel, apenas o da aceitação passiva. Deviam ser vistos, mas não ouvidos, até que, autoritariamente, se lhes ordenasse que falassem. Sua principal, se não única responsabilidade, era obedecer.

O próprio processo educativo tinha sido concebido em termos autocráticos. O aprendizado não era pesquisa responsável, bem sucedida, mas receptividade dócil. Além disso, o que se aprendia dizia respeito só a futuro remoto. Desse modo, a vida presente da criança era apenas usada como meio. A infância não era um cômodo real na casa da vida, mas simples vestíbulo, época de mera preparação para viver mais tarde. Em suma, todo o processo da escola tradicional foi, de um modo ou de outro, largamente antidemocrático.

Naturalmente, é lógico que as crianças sejam tratadas autocraticamente, se os professores assim também são tratados. Uma dificuldade levantada pela nossa tendência agregativa encontra-se nos problemas a que número crescente de professores e alunos parecem inevitavelmente arrastados. Aqueles que dirigem as massas facilmente esquecem o indivíduo. Duas tendências ainda lutam no domínio da administração escolar. Uma tende a unificar o pensamento, fazendo-o derivar de uma fonte central de autoridade, que transmite direções precisas a serem seguidas, a respeito de programa e método. Assim concebido, esse é o método da autocracia - o sistema fabril aplicado a um campo, onde os males que acarreta são peculiarmente agravados. A educação nega-se a si própria, onde quer que use tal regime.

É preciso que tomemos em consideração mais uma exigência da democracia. Se os nossos alunos devem desenvolver-se dentro da cidadania conveniente, precisam com o avançar da idade, e com a devida atenção para o seu ponto de vista e o seu interesse futuro, familiarizarem-se, cada vez mais, com os problemas da civilização.

Ainda que, discutíveis, muitos desses problemas se forem manejados com prudência, terão inegável valor educativo. Não se devem transmitir soluções, mas métodos, atitudes críticas, a fim de criar apreciação inteligente dos próprios problemas, bem como dos fatos que interessem à solução conveniente. Que a escola secundária e o 'college' devem intensificar o seu trabalho nesse sentido é tão necessário como desejável.
O declínio do autoritarismo, no domínio moral-social, apresenta exigências imediatas à escola. O aspecto geral, em toda parte, parece ser este: a mocidade está resolvendo a maior parte de seus problemas por si mesma. Cada vez menos, ela cede às meras palavras da autoridade dos seus ascendentes. Cada vez menos, aceita como obrigatórios os costumes e as convenções em vigor. Insiste, a mais e mais, nos porquês, ou seja na busca de razões convincentes.
Mas qual é a exigência apresentada à escola? Isso, ao menos, parece claro. Precisamos auxiliar nossa mocidade a resolver os seus problemas morais. Se exigir um porquê, devemos ajudá-la a achá-lo, qualquer que ele seja. A escola precisa encarar os fatos na sua realidade.

A exigência a que devemos satisfazer importará em auxiliá-los a ver o porquê do que se deve fazer e, quando o puderem ver, auxiliá-los a aprender a fazê-lo. O simples autoritarismo, em moral, vai-se extinguindo. Uma moralidade melhor precisa ser construída, para sobreviver".

Referência:
KILPATRICK, William Heard. Educação para uma civilização em mudança. Trad. Noemy S. Rudolfer. 6. ed. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1967.



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