O PLANO PARA-SAR: O PLANO SANGUINÁRIO DO BRIGADEIRO JOÃO PAULO MOREIRA BURNIER PARA A EXECUÇÃO DE ATOS TERRORISTAS NO RIO DE JANEIRO DURANTE A DITADURA CIVIL MILITAR

(Memória histórica para golpe e ditadura nunca mais!)

O brigadeiro da Aeronáutica João Paulo Moreira Burnier ficou conhecido por ter participado de todos os golpes de Estado intentados no Brasil, após o processo de democratização iniciado em 1946. A atuação golpista de Burnier começou durante a crise que levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio, em agosto de 1954. No governo do presidente Juscelino Kubitschek, iniciado em janeiro de 1955, Burnier participou ativamente das três tentativas de golpe, com o intuito, primeiro, de impedir a posse do presidente, e depois, de derrubá-lo, todas sem sucesso; finalmente, atuou intensamente junto com os articuladores do golpe de abril de 1964, que levou à ditadura militar, encerrada somente em 1985.
Desde 1963, quando fez o curso da United States Army School of the Americas (Usarsa), mais conhecida como Escola das Américas, no Panamá, Burnier sempre se manteve articulado com os militares estadunidenses que, no cumprimento de missões da CIA nas Américas, atuavam na formação e treinamento em técnicas de tortura de militares de todos os países nelas situados, com intenções golpistas ou de sustentação de governantes aliados à política anticomunista dos EUA.
A Burnier é atribuída a preparação de ações terroristas, sintetizadas principalmente no, assim chamado, Plano Para-Sar, que teria sido concebido por ele, em 1968. O Plano macabro se inseria na estratégia geral do golpe dentro do golpe, ou seja, do endurecimento do regime militar, para atingir até mesmo alguns próceres do movimento golpista vitorioso em 1964. Consta que o Plano visaria a produzir, inicialmente, atentados que, ao serem atribuídos aos comunistas, pela mídia, permitiria uma escalada crescente, até atingir atos terroristas de grande monta. Isso seria usado como pretexto para a eliminação de personalidades influentes do mundo político, escolhidas entre aquelas potencialmente capazes de colocar em risco a manutenção do poder na mão dos militares da linha dura.
O Plano Para-Sar pretendia a execução de atos terroristas no Rio de Janeiro, a cargo de militares de elite da Aeronáutica, isto é, do esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, denominado batalhão Para-Sar ("Para", de paraquedistas, e "Sar" do inglês Search and Rescue, 'busca e salvamento'). No auge da escalada terrorista, haveria a explosão do gasômetro de São Cristóvão, no centro da cidade do Rio de Janeiro, e o rompimento da barragem de Ribeirão das Lajes, no estado do mesmo nome, que abastecia de água a Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O Plano Para-Sar só não fora à frente por conta da denúncia do capitão da Aeronáutica Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, oficial muito respeitado dentro do batalhão Para-Sar. Apelidado de Sérgio Macaco, o capitão Miranda de Carvalho teria fornecido as informações sobre o Plano, que deram motivo para o pronunciamento do deputado Maurílio Ferreira Lima (MDB-PE), feito no dia 1.º de outubro de 1968, na Câmara dos Deputados, que denunciou o Plano Para-Sar e seu mentor, o tenente-brigadeiro Burnier.
Após ter proferido seu discurso, o deputado Maurílio Ferreira Lima, dentro do que seria previsível, teve o mandato imediatamente cassado, além dos direitos políticos suspensos por dez anos. O deputado saiu da Câmara imediatamente para o avião que o levou para o exílio, após o pronunciamento que teria frustado a colocação em prática do Plano Para-Sar.
Burnier tinha a ideia insana de assassinar personalidades destacadas da vida nacional, oposicionistas, ou não, escolhidas para morrer nas mãos de seu grupamento de ultradireita, concentrado na Aeronáutica. Dentre as personalidades supostamente condenadas à morte, alguns nomes apareceram na imprensa, a saber: general Mourão Filho, Carlos Lacerda, Mário Covas e D. Hélder Câmara, os líderes estudantis Wladimir Palmeira e Franklin Martins, além dos ex-presidentes Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek. Dizia-se que o Plano Para-Sar previa matar e fazer desaparecer os corpos, na mesma operação, mediante o lançamento das vítimas em alto-mar, levadas por aviões da Aeronáutica.
O capitão Sérgio Macaco expõe na revista Fatos os detalhes do Plano Para-Sar, concebido em 1968, logo em seguida ao assassinato do estudante Edson Luís de Lima Souto, ocorrido em 28 de março de 1968, no restaurante Calabouço, Rio de Janeiro. Segundo afirma o capitão, tudo começou a partir da proposta elaborada por Burnier, de envolver militares de elite da Aeronáutica na repressão a manifestantes, nas grandes passeatas promovidas no Rio, naquele ano, em que o povo costumava jogar sacos cheios de líquidos nos policiais, de cima dos edifícios. Burnier queria que os oficiais do Para-Sar fossem localizar aqueles que os jogassem e depois subissem nos edifícios, a fim de prender os que atingissem policiais.
Em entrevista à revista Fatos, o capitão Sérgio afirma que, "segundo Burnier, Para-Sar seria a peça-chave para salvar o Brasil do comunismo. A missão era nossa devido ao vastíssimo poder de fogo - toneladas de explosivos plásticos - e extraordinário grau de capacidade operacional do Para-Sar. Ele propôs que os homens do Para-Sar fizessem o papel de espoleta de um processo histórico. Inicialmente realizaríamos pequenos atentados à Sears, à embaixada norte-americana, com pequenas cargas de explosivos e - conforme Burnier - com reduzido número de vítimas fatais. A operação teria um teor de escalada. Cada ato seguinte seria mais forte, mais violento que o anterior. O clímax desses atentados seriam as explosões do gasômetro e da represa de Ribeirão das Lages. Ele disse que os comunistas já estavam cadastrados e, em geral, eram pessoas que exerciam profissões liberais. Também estavam marcados para morrer todos aqueles que contestavam os rumos da Revolução. No entender de Burnier, nós, do Para-Sar, deveríamos nos sentir honrados e bater no peito proclamando que éramos mesmo uma ditadura que deveria durar 30, 40 anos, como em Portugal e na Espanha. Ele achava que para matar na guerra era preciso treinamento de matar na paz e que nós do Para-Sar nos acostumaríamos a sentir gosto de sangue na boca, não íriamos tremer a mão (referência dos militares que tentaram sequestrar Carlos Lacerda no Hospital Miguel Couto mas fracassaram) para atingir os objetivos, que eram os comunistas inimigos da pátria".
Junto com o brigadeiro Itamar Rocha, o capitão Sérgio foi um dos poucos militares a contestar firmemente o brigadeiro Burnier, mas logo foi constatado que este contava com o total apoio do ministro da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo. Tanto que Sérgio e Itamar é que forma punidos, após denunciarem formalmente o mentor do Plano Para-Sar ao ministro. De acordo com o capitão Sérgio em entrevista à revista Fatos: "Burnier revelou um plano suplementar. Pegaria alguns militares considerados de esquerda, colocaria todos eles dentro de um avião - um MC-47 -, que seria pilotado pessoalmente por ele e pelo brigadeiro Roberto Hipólito da Costa, e os comunistas seriam lançados ao mar. Burnier disse que íamos pegar os comunistas da FAB, o Teixeira, o Anísio, o Malta, e jogar no mar. Ele chegou a me perguntar se a pessoa atirada de um avião morria durante a queda ou só quando o corpo batesse contra a água. As sessões de doutrinamento eram assim".
Em outubro de 1971, Burnier foi obrigado a ir para a reserva. Diz-se que tal fato aconteceu em razão de pressões exercidas pelo Departamento de Estado dos EUA, por conta da repercussão do assassinato de Stuart Edgar Angel Jones, que também possuía a cidadania norte-americana, ocorrido em 14 de maio de 1971, atribuído ao grupo da Aeronáutica sob as ordens de Burnier.
Referências:
Caso Para-Sar: capitão Sérgio, o homem que evitou o banho de sangue. In: Revista Fatos, n.º 15, de 1.º de julho de 1985.

ROCHA, João Augusto de Lima. Breve história da vida e morte de Anísio Teixeira: desmontada a farsa da queda no fosso do elevador. Salvador: EDUFBA, 2019.




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