A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E AS SUAS RELAÇÕES COM A ORDEM ECONÔMICA, POLÍTICA E SOCIAL DO PAÍS
Por DERMEVAL SAVIANI
No que diz respeito à História da Educação, verifica-se fenômeno semelhante: a História, por obra da hipertrofia da primeira palavra da locução, acaba por não ser compreendida, o seu significado acaba por não ser explicitado claramente; assim, a História acaba sendo absorvida no sentido tradicional de sequência de fatos ou sequência de ideias, resumindo-se a uma mera cronologia.
Ao se reduzir a História a uma sequência de fatos ou de ideias, ocorre aí uma agravante maior: tais fatos (ou ideias) acabam por se resumir naquilo que eu chamaria de "fatos de supra estrutura", isto é, aqueles fatos que se evidenciam mas que não explicam o processo histórico concreto, sendo, ao contrário, explicados pelo processo histórico concreto. Em consequência, o ensino de História, em lugar de explicitar o mencionado processo, apenas expõe fatos de supra estrutura, resultado, daí, o caráter insípido de que se reveste esse tipo de ensino. E a História, à semelhança da Filosofia, acaba por se tornar, também ela, uma disciplina "chata", uma vez que será necessário reter uma série grande de fatos (ou de ideias) geralmente desprovidos de sentido; assim, a memorização acaba sendo o recurso de que o aluno (e por vezes o professor) lança mão para se situar em face do problema da História.
Usando de uma imagem, poderíamos descrever o processo histórico por analogia com o teatro.
No cenário da História temos os atores e os autores da História, do mesmo modo que numa peça teatral temos os atores e o autor da peça. O autor não aparece; no entanto, a obra é sua e os atores representam aquele papel que lhes foi designado na trama da peça, trama essa que é obra do autor da peça. Para os espectadores, os atores estão em evidência e são por vezes cultuados, surgindo como ídolos. Em contrapartida, os autores estão ocultos nos bastidores, ficando, geralmente, na penumbra, quando não são totalmente esquecidos.
Na Historiografia temos, pois, o seguinte fenômeno: os fatos de bastidores que são os fundamentais, dado que nos permitiriam compreender o que está acontecendo, tais fatos não são explorados suficientemente, enquanto que os fatos de supra estrutura (ligados à imagem dos atores) são mencionados numa sequência cronológica sem que se entenda bem por que em determinado momento quem esteve em evidência foi este ator e não outro e que papel representava este ator; quer dizer, que forças ele estava representando, forças essas que nos permitiriam compreender qual a matriz básica daquele momento histórico. Dessa forma, a Historiografia tende a se resumir na apresentação de uma série de nomes, fatos e datas e o recurso para se reter esses dados terá de ser a memorização mecânica, uma vez que a compreensão da trama da História se perde.
Ora, a compreensão da trama da História só será garantida se forem levados em conta os "dados de bastidores", vale dizer, se se examina a base material da sociedade cuja história está sendo reconstituída. Tal procedimento supõe um processo de investigação que não se limita àquilo que convencionalmente é chamado de História da Educação, mas implica investigações de ordem econômica, política, social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a problemática educacional concreta.
Na medida em que nós, professores de História da Educação, assumimos essa atitude de investigação; na medida em que nós, em face dos alunos, estimulamos esta mesma atitude, eis como estaremos contribuindo efetivamente para o avanço do campo de conhecimento que constitui a História da Educação e, no nosso caso específico, para o desenvolvimento da História da Educação brasileira.
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