ANTÔNIO NUNES RIBEIRO SANCHES E A PERSPECTIVA DA ECONOMIA POLÍTICA DO DESPOTISMO ESCLARECIDO PORTUGUÊS DO SÉCULO XVIII SOBRE O ACESSO À INSTRUÇÃO PÚBLICA PARA MINORIAS PRIVILEGIADAS

Por ANA MARIA MOURA LINS
Um intelectual que exerceu influência importante na elaboração das reformas de Marques de Pombal na instrução pública do Reino de Portugal na segunda metade do século XVIII foi Antônio Nunes Ribeiro Sanches, que estudou estudou medicina na Universidade de Coimbra. Ribeiro Sanches, um cristão novo (judeu cristianizado), completou seus estudos de medicina e filosofia em Salamanca e aperfeiçoou-se em Gênova, Londres, Montpellier e Leiden.
Ribeiro Sanches escreveu uma obra intitulada "Cartas sobre a educação da mocidade", na qual defende a ênfase do papel do Estado, seu caráter regalista e o controle centralizado da educação. Mas a concepção iluminista e burguesa de Antônio Nunes Ribeiro Sanches reveste-se de uma particularidade: ela ancora-se não apenas na teoria política, mas busca fundamentação na economia política. As ideias de Ribeiro Sanches (1699-1783) aproximam-se daquelas esposadas por Bernard Mandeville (1670-1733). Afirmações como o saber ler, escrever e contar consistem em "artes muito nocivas para o pobre obrigado a ganhar o pão de cada dia mediante sua faina diária", o que significa que 'cada hora que esses infelizes dedicam aos livros é outro tanto de tempo perdido para a sociedade" (MANDEVILLE); e "nenhum reino necessita de maior rigor na supressão total do ensino de ler e escrever" do que o reino português (SANCHES) mostram a crueza das posições defendidas sem rebuços por esses dois pensadores, contrastando vivamente com a defesa do acesso universal à educação e aos níveis mais altos de instrução segundo a capacidade de cada um que estamos acostumados a ler nos compêndios pedagógicos. Provavelmente nenhum outro terá formulado com maior clareza, sinceridade e fidelidade a visão burguesa da educação popular do que Mandeville quando afirmou que, "em uma nação livre na qual não se permite a escravidão, a riqueza mais segura consiste numa multidão de pobres laboriosos". Assim, "para fazer feliz a sociedade e manter contentes as pessoas, ainda que nas circunstâncias mais humildes, é indispensável que o maior número delas seja pobre e, ao mesmo tempo, totalmente ignorante" (MANDEVILLE).
Mandeville, ao defender a extinção das escolas para os pobres, as "escolas de caridade" inglesas, assim se manifesta: "Quanto mais saiba do mundo e das coisas alheias a seu trabalho ou emprego um pastor, um lavrador ou qualquer outro camponês, mais difícil lhe será suportar as fadigas e penalidades de seu ofício com alegria e satisfação". Ribeiro Sanches irá perguntar-se: "que filho de pastor quereria ter aquele ofício de seu pai, se à idade de doze anos soubesse ler e escrever?", para afirmar logo adiante: "O rapaz de doze ou quinze anos, que chegou a saber escrever uma carta, não quererá ganhar a sua vida a trazer uma ovelha cansada às costas, a roçar desde pela manhã até a noite, nem a cavar" (SANCHES). Em seguida considera que os filhos de lavradores, se souberem ler e escrever, irão abandonar a casa dos pais na esperança de ganhar a vida sem depender do uso das próprias mãos: "sabem ler e escrever; tiveram nas aldeias onde nasceram escolas pias de graça ou por vil preço". E arremata: "e esta é a origem porque os filhos dos lavradores fogem da casa de seus pais: o remédio seria abolir todas as escolas em semelhantes lugares" (SANCHES).
Coincidem, assim, as posições de Mandeville e Ribeiro Sanches, ambos defendendo a supressão das escolas populares. Ambos consideravam que, para os pobres laboriosos, a única instrução necessária e suficiente era aquela ministrada pelos párocos nos sermões dominicais. Com certeza está aí a inspiração para o entendimento contido na Lei de 6 de novembro de 1772, baseado na proposta enviada ao rei D. José I pela Real Mesa Censória (criada por Alvará de 5 Abril de 1768, com o objetivo de transferir, na totalidade, para o Estado a fiscalização das obras que se pretendessem publicar ou divulgar no reino de Portugal, o que até então estava a cargo do Tribunal do Santo Ofício, do Desembargo do Paço e do Ordinário): para os "empregados nos serviços rústicos e nas Artes Fabris, que ministram sustento dos Povos e constituem os braços e mãos do Corpo Político", bastariam "as Instruções dos Párocos".
A análise desses dois autores, ao mudar o foco da ideologia política e da pedagogia para a economia política, possibilita não apenas acrescentar uma nova luz ao entendimento do modo como a sociedade em geral e, especificamente, a sociedade burguesa encara o problema educativo. Essa mudança de foco permite-nos passar das interpretações tendencialmente idealizadoras e, até mesmo, ufanistas para uma visão bem mais realista do significado atribuído pelos porta-vozes da ordem burguesa à questão escolar. Por esse caminho compreendemos melhor as contradições entre o projeto civilizatório burguês e as lições do capital.
Referência:
LINS, Ana Maria Moura. Educação moderna: contradições entre o projeto civilizatório burguês e as lições do capital. Campinas: Autores Associados, 2003.



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