CÍCERO, A ROMA ANTIGA E A EDUCAÇÃO HUMANÍSTICA - "HUMANITAS"

Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) foi um dos grandes pensadores romanos. Ampliou sobremaneira o vocabulário latino, apoiado na larga experiência com o grego e na vasta erudição. Famoso pela oratória brilhante e contundente, na qualidade de cônsul mais de uma vez interferiu nos rumos da política do império, atividade intensa que culminou com o seu assassinato. Homem culto, de saber universal, Cícero valoriza a fundamentação filosófica do discurso, o que o diferencia dos seus conterrâneos, tornando-o um dos mais claros representantes da "humanitas" romana.

A "humanitas" é uma característica marcante da cultura romana decorrente de sua expansão territorial. Enquanto a Grécia nunca se constituiu uma nação, por estar dividida em inúmeras póleis, Roma desenvolve a concepção de império formado de vários povos. Apesar dessas diferenças, não discrimina o vencido e ainda lhe confere o direito da cidadania romana, em troca do pagamento dos impostos. No caso da Grécia conquistada, em vez de impor o latim, os romanos incorporaram-lhe o idioma, bem como vários de seus padrões culturais, que se tornam herança da humanidade. Tal fato é demonstrado na seguinte passagem de "Dos deveres" de Cícero: "Há um ano, querido filho Marcus, você vem recebendo as lições de Cratipo, precisamente em Atenas. Embora as lições de tão grande mestre e a vida numa cidade tão famosa, um com o tesouro da Ciência, outra com seus ilustres exemplos, tenham permitido a você, sem dúvida, armazenar copiosa doutrina filosófica, não considero tudo isso suficiente à sua educação. Por isso, aconselho-o a fazer o mesmo que fiz para minha utilidade pessoal: servi-me da língua latina e grega, não só para os meus estudos de Filosofia, como também para os meus exercícios de Oratória. Assim agindo, você poderá adquirir igual facilidade no perfeito manejo de ambos os idiomas. Devido a isto, diz-se que prestei ajuda e favor, sem dúvida importantes, aos nossos concidadãos, por ter facilitado o caminho do conhecimento das letras gregas, não apenas aos que estavam pouco versados nelas, senão também aos doutos, que por esse meio puderam tirar algum proveito no tocante à eloquência, filosofia e educação do gosto" (p. 63).

A cultura universalizada pode ser expressa na palavra "humanitas" - no sentido literal de humanidade e, mais propriamente, de educação, cultura do espírito -, equivalente à "paideia" grega. Distingue-se desta, no entanto, por se tratar de uma cultura predominantemente humanística e sobretudo cosmopolita e universal, buscando aquilo que caracteriza o homem, em todos os tempos e lugares. Essa concepção, muito valorizada por Cícero, não se restringe ao ideal do sábio, muitas inalcançável, mas se estende à formação do homem virtuoso, como ser moral, político e literário. Para Cícero, educação integral do orador requer cultura geral, formação jurídica, aprendizagem da argumentação filosófica, bem como o desenvolvimento de habilidades literárias e até teatrais, igualmente importantes para o exercício da persuasão: "Não quisera que alguém tomasse por vaidade minhas palavras, porque, embora aceite prazerosamente o fato de muitos me serem superiores na Filosofia, no que concerne à Oratória, quer dizer, verossimilhança, claridade e elegância do discurso, reclamo, com justiça, vantagem sobre muitos outros, pois consagrei minha vida inteira ao estudo e ao cultivo desse ramo dos saber. Por esta razão, meu filho, exorto-o a ler com a máxima atenção, não somente meus discursos forenses, mas meus trabalhos filosóficos, estes quase tão numerosos quanto aqueles. Nos primeiros, há elevação e eloquência; mas, nem por isso, desdenhe o estilo simples e ponderado dos segundos. Ademais, não sei de nenhum grego que haja cultivado, como eu, ao mesmo tempo, a eloquência dos tribunais e a tranquila simplicidade das obras didáticas, a não ser Demétrio de Faleros, filósofo sutil e orador pouco veemente, mas suficientemente delicado para deixar-se reconhecer como discípulo de Teofrasto. Quanto a mim, o leitor estimará quantos progressos obtive num e noutro gênero, posto que cultivei os dois" (p. 65).

A importância de Cícero não se restringe à Antiguidade, pois chegou a ser um dos principais modelos dos pedagogos renascentistas. O "ciceronismo" foi tão intenso naquele período que o francês Rabelais, crítico do ensino tradicional, considerava-o apenas um modismo.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

CÍCERO. Dos deveres. In: ROSA, Maria da Glória de. A História da Educação através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.



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