CLAUDIA ANDUJAR, A FOTOGRAFIA COMO RECURSO ANTROPOLÓGICO E A DEFESA DA VIDA E CULTURA DO POVO YANOMAMI NO BRASIL
(Reflexão e conscientização da relevância das causas dos direitos humanos e do indigenismo)
(1) Da perseguição nazista à defesa dos direitos fundamentais das minorias:
Filha única de Germaine Guye, uma suíça protestante, e de Siegfried Haas, um engenheiro húngaro judeu, Claudia nasceu em 12 de junho de 1931, na cidade de Neutâchel, na Suíça. Passou a infância em Orádea (que antigamente pertencia à Hungria e atualmente faz parte do território romênio). O casal se separou quando Claudia tinha 8 anos. A menina fica sob a guarda do pai e, pouco tempo depois, é internada em um convento católico.
A Segunda Guerra Mundial começava em 1939 e a Hungria se unira à Alemanha, integrando assim as Forças do Eixo. Os judeus, incluindo o pai de Claudia, são tirados de suas casas e enviados a um gueto. Siegfried Haas é depois deportado para o campo de concentração de Dachau, onde acabaria morrendo, assim como quase toda a sua família. No mesmo período, o convento, onde Claudia morava, é fechado.
Ela vai morar com a mãe, que então mantinha um relacionamento com um militar ligado aos nazistas, o que significava certa garantia de segurança para ambas, sobretudo para a menina, considerada judia. Em março de 1944, o território húngaro foi ocupado pela Alemanha. No final do mesmo ano, agora na iminência da ofensiva de Budapeste e invasão da Hungria pelo Exército da União Soviética, Germaine Guye decide deixar o país. Com muita dificuldade, mãe e filha conseguem escapar e chegar à Suíça.
Após o fim da guerra, a convite do tio paterno (único remanescente da família do pai), que vivia nos Estados Unidos, Claudia se transfere para Nova York, em 1948. Segundo Claudia Andujar a respeito da sua experiência como judia durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), "sem dúvida, a minha fotografia é marcada pelo meu passado. Um passado de guerra, um passado de minorias. Isso é algo que não só me preocupa, mas me perturba. É parte da minha vida. Me interesso muito pela questão da justiça e das minorias que estão tentando se afirmar no mundo, mas se deparam sempre com um dominador que procura apará-las".
(2) A ida para os Estados Unidos:
Em Nova Iorque, Claudia Ambujar estudou Humanidades no Hunter College à noite, pois precisava trabalhar para viver. Mas não conseguiu concluir os estudos. Foi vendedora de roupas femininas na Macy's, trabalhou em um escritório e foi guia de visitantes na Organização das Nações Unidas porque eu falava várias línguas: húngaro, alemão, francês e inglês.
No Hunter College, conhecera Júlio Andujar, um refugiado da Guerra Civil Espanhola, com quem viria a se casar em 1949, aos dezoito anos. Mas poucos meses depois do casamento, Júlio se apresenta como voluntário para ir à Guerra da Coreia (1950-1953), esperando ser posteriormente recompensado com a cidadania americana. Júlio ficou três anos em combate. Claudia não o perdoou, ficando furiosa quando ele se alistou, pois não queria recomeçar a vida com guerras. Nunca voltaram a viver juntos. Quando ele voltou, separaram-se. Contudo, Claudia manteve o sobrenome do primeiro marido. As suas experiências durante a Segunda Guerra Mundial a levaram a querer eliminar o nome de infância, Claudine Haas. Desejava começar uma vida nova.
(3) A vinda para o Brasil, a fotografia e os contatos com as populações indígenas:
Em 1955, Claudia chegou a São Paulo, onde já vivia sua mãe, naturalizando-se brasileira. Comprou sua primeira câmera, uma Rolleflex. Nunca fez curso de fotografia. Começou a viajar pelo Brasil, fotografando essencialmente para si mesma como uma forma de estabelecer contato com a população local, uma vez que, nesta época, ainda não dominava a língua portuguesa. Simultaneamente, começou a publicar suas imagens tanto em revistas brasileiras (Quatro Rodas, Claudia, Goodyear Brasil) como estrangeiras (Life, Look, Fortune, IBM, Horizon USA, Aperture).
Por sugestão de Darcy Ribeiro, Claudia entrou em contato com indígenas pela primeira vez em 1958, durante uma visita à Ilha do Bananal, terra dos Karajás. Algumas dessas imagens foram compradas por Edward Steichen, então diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York, e depois foram publicadas pela Revista Life. Entre 1966 e 1971, colaborou com a revista Realidade, da Editora Abril, junto com seu segundo marido, o fotógrafo norte-americano George Love, com quem se casara em 1968. Em 1971, uma edição especial da revista Realidade sobre a Amazônia a conduziu até os Yanomamis. Essa viagem representou o grande divisor de águas em sua carreira e em sua vida. No intuito de se aprofundar no entendimento dessa cultura, Claudia decidiu então abandonar São Paulo e o fotojornalismo, indo viver entre Roraima e Amazonas em tempo integral. Para isso, contou com o apoio de duas bolsas da Fundação Guggenheim de Nova York, em 1971 e 1974. Separa-se de George Love em 1974. Em 1976, obtém uma nova bolsa, dessa vez da FAPESP, para prosseguir seu trabalho com os Yanomamis.
(4) A perseguição pela Ditadura Militar e a criação da Comissão pela Criação do Parque Yanomami:
Em 1978, após ser enquadrada na lei de Segurança Nacional pelo governo militar e ser expulsa do território indígena pela Funai, retornou a São Paulo e organizou um grupo de estudos em defesa da criação de uma área indígena Yanomami. Este foi o embrião da ONG Comissão pela Criação do Parque Yanomami, CCPY (hoje Comissão Pró-Yanomami). Criada criada por Claudia e pelo missionário leigo italiano Carlo Zacquini, a ONG denunciou as ameaças à sobrevivência dos índios em consequência do contato com os brancos e promoveu uma forte campanha pela demarcação da terra indígena Yanomami, o que finalmente ocorre em 1992. Não fosse pela atuação da Comissão, possivelmente a etnia Yanomami não teria tido saúde, voz e dignidade para lutar por seus direitos - novamente ameaçados atualmente. Ao assumir o ativismo político em prol da causa Yanomami, Claudia foi diminuindo progressivamente sua atividade fotográfica ao longo dos anos 1980, justamente quando a mobilização em torno da demarcação foi ganhando força.
Andujar teve seus trabalhos expostos em mostras como Arte Brasileira: 50 Anos de História no Acervo MAC/USP: 1920-1970, no MAC/USP, 1996; 24.ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, na Fundação Bienal, 1998; Coleção Pirelli/MASP de Fotografia, no MASP, 1998; Photo España 99, Festival Internacional de Fotografia, no Museo de la Ciudad, Madri, 1999. Em janeiro de 2005, expôs na Pinacoteca do Estado de São Paulo a leitura mais completa já realizada sobre sua obra, chamada Vulnerabilidade do Ser.
Em 2008, Claudia Andujar foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, pelo governo brasileiro. Em outubro de 2015, o Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro apresentou a exposição "Claudia Andujar: no lugar do outro", mostra de trabalhos pouco conhecidos da primeira parte da sua carreira. Em novembro do mesmo ano, o Instituto Inhotim inaugurou uma galeria permanente dedicada ao trabalho da fotógrafa. Em 2018, recebeu a Medalha Goethe, do Goethe-Institut - uma condecoração oficial da República Federal da Alemanha -, por seu trabalho com os Yanomamis.
Claudia Andujar é uma fotógrafa e ativista suíça naturalizada brasileira que dedicou sua vida à proteção dos índios Yanomami. Durante as décadas de 1970 e 1980, a fotógrafa mirou suas lentes para captar o espírito desse povo enquanto lutava pela preservação de sua cultura. Suas fotos estão em alguns dos principais museus e galerias do mundo, como o Museu de Arte Moderna de Nova York, na Fundação Cartier de Arte Contemporânea em Paris, na Pinacoteca de São Paulo e no Instituto Inhotim em Belo Horizonte.
Referências:
Fotopédia. Grandes Fotógrafas da História. A fotografia Yanomami da brasileira Claudia Andujar. iPhoto Channel, 15 de março de 2018. Disponível em: https://iphotochannel.com.br/a-fotografia-yanomami-de.../.
NOGUEIRA, Thyago. Claudia Andujar – A Luta Yanomami. São Paulo: IMS, 2018.
NOGUEIRA, Thyago. Claudia Andujar - No lugar do outro. São Paulo: IMS, 2015.