A IDENTIDADE DA EDUCAÇÃO

(O TEMA DA IDENTIDADE EPISTEMOLÓGICA DO CAMPO DA EDUCAÇÃO A PARTIR DA LEITURA DE "CIÊNCIA E ARTE DE EDUCAR", DE ANÍSIO TEIXEIRA)

Por Zaia Brandão (Professora da PUC-Rio, pesquisadora do CNPq e cientista da FAPERJ):
Segundo Anísio Teixeira, "como a medicina, a educação é uma arte. E arte é algo muito mais complexo e muito mais completo do que uma ciência". Desde que a sociedade é percebida como grupo humano organizado, com uma certa identidade e história, é possível identificar uma forma de agir coletiva, objetivando desenvolver, nas crianças e nos jovens, as habilidades e conhecimentos que facilitariam o seu entrosamento com o restante do grupo. Esse processo de socialização dos grupos mais jovens constitui uma prática social universalmente caracterizada como educação. Não há, portanto, maiores problemas na compreensão do caráter de prática social da educação.
A identidade da educação como campo de produção de conhecimentos sistematizados é muito mais problemática. A investigação sobre a educação a partir de diferentes perspectivas (histórica, filosófica, psicológica...) foi acumulando um conjunto de conhecimentos sistematizados (científicos), que nem sempre se articulou com os âmbitos disciplinares já constituídos. As abordagens da Filosofia, História, Ciências Sociais, Psicologia etc. do fenômeno da educação são muitas vezes caracterizadas, pelos educadores, como limitadas, quando cotejadas com aquelas desenvolvidas pelo campo da educação. No entanto, o inverso pode ocorrer quando o juízo sobre a produção dos educadores é emitido a partir dos campos disciplinares. Entretanto, é indiscutível que a produção de conhecimentos sobre questões mais específicas dos processos educacionais - como ensinar, como ordenar conhecimentos, como organizar e institucionalizar processos de socialização/escolarização, como preparar/formar especialistas nas matérias de educação etc. - foi constituindo uma base epistêmica que, afastando-se dos tradicionais cânones disciplinares, pretende justificar a legitimidade de um espaço próprio à educação no campo científico.
Entretanto, em que pese uma já consistente e sistemática produção na área de educação - com canais específicos de divulgação (periódicos especializados) e a existência de Faculdades e Departamentos de Educação nos principais Centros Universitários, caracterizando a autonomização da educação como campo social - estamos longe de ter alcançado, dentro da própria área, um consenso sobre a identidade epistemológica do campo da educação. Pedagogia, Ciências ou Ciência da Educação, e até mesmo a negação de uma identidade epistemológica autônoma, são algumas das posições encontradas na literatura especializada da área.
A educação - profundamente imbricada em uma prática profissional atravessada pelas questões sociais, no enfrentamento do desafio de compatibilizar as exigências de universalização dos seus serviços com os limites dos recursos financeiros, humanos e científicos - vem sistematizando conhecimentos, formulando teorias e desenvolvendo tecnologias, referindo-se a diferentes campos disciplinares (filosofia, psicologia social, etc.). Esse desenvolvimento em uma direção caracterizadamente multidisciplinar merece uma discussão sobre as condições de constituição de uma identidade epistemológica do campo da educação.
Como a medicina, a educação passou por um difícil processo de mudança de status social. Antes entendida como "sacerdócio", "missão", e hoje, cada vez mais, trabalho de assalariados divididos entre vários empregos, ela vem se tornando uma prática profissional crescentemente fragmentada e insatisfatória. Com a ampliação das redes de ensino, a educação incorporou ao sistema um conjunto de experiências de socialização tão amplo que, ainda hoje, desafia o conhecimento disponível a gerar alternativas de adaptação dos processos de formação profissional anteriores às novas e complexas exigências das populações escolares. A complexificação da prática pedagógica vem, dessa forma, exigindo uma densa reflexão sobre a identidade epistemológica da área que possa contribuir para reformular e reorientar as bases técnico-científicas do trabalho no campo da educação, dentro de parâmetros ético-sociais compatíveis com o direito de todos à educação escolar.
Parece haver consenso hoje de que o paradigma da formação de educadores - que emergiu da supervalorização da racionalidade científica, da formação acadêmica e da vocação - tem-se mostrado inadequado aos atuais desafios de construção de um sistema de educação democrático.
Referência:
BRANDÃO, Zaia. A identidade do campo educacional. In: BRANDÃO, Zaia; MENDONÇA, Ana Waleska P. C. (Orgs.). Uma tradição esquecida: por que não lemos Anísio Teixeira? 2. ed. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2008, p. 205-216.



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