MICHEL MONTAIGNE, A CRÍTICA AO ENSINO LIVRESCO E A VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL

Michel Montaigne (1533-1592) pertencia a uma família francesa da burguesia enriquecida com a posse de propriedades, conseguindo então um título de nobreza. Daí o cuidado na educação do menino, que aprende latim antes da língua vernácula e é acompanhado por preceptores desde o berço. Montaigne lê com facilidade as obras latinas e escreve uma série imensa de fragmentos, reunidos num gênero novo, o ensaio. Ao descrever a si próprio e refletir sobre suas experiências, vai traçando o perfil da natureza humana, apresentando um ser humano que tem interrogações, dúvidas e contradições, o que encaminha seu pensamento para um certo ceticismo. Ceticismo é a doutrina segundo a qual o homem nada pode conhecer com certeza. Os céticos concluem pela suspensão do juízo e pela dúvida permanente.

Ainda que não tenha produzido obra especificamente pedagógica, na obra "Ensaio" Montaigne dedicou alguns capítulos à educação, conforme se poderá observar a seguir. Critica o ensino livresco e o pedantismo dos falsos sábios, valoriza a educação integral do homem e elogia seu pai por ter sabido escolher os preceptores para educá-lo com docilidade e sem castigos. Para Montaigne, a finalidade da educação é preparar um espírito ágil e crítico, valores importantes para a formação do gentil-homem: "[...]. Pelo modo como a aprendemos [a ciência] não é de estranhar que nem alunos nem mestres se tornem mais capazes embora se façam mais doutos. Em verdade, os cuidados e despesas de nossos pais visam apenas encher-nos a cabeça de ciência, de bom senso e virtude não se fala. Mostrai ao povo alguém que passa e dizei 'um sábio' e a outro qualificai de bom; ninguém deixará de atentar com respeito para o primeiro. Não mereceria essa gente que também a apontassem gritando: 'cabeças de pote!'. Indagamos sempre se o indivíduo sabe grego e latim, se escreve em verso ou prosa, mas perguntar se se tornou melhor e se seu espírito se desenvolveu - o que de fato importa - não nos passa pela mente. Cumpre entretanto indagar quem sabe melhor e não quem sabe mais.

Só nos esforçamos por guarnecer a memória, deixando de lado, e vazios, juízo e consciência. Assim como os pássaros vão às vezes em busca de grão que trazem aos filhotes sem sequer sentir-lhe o gosto, vão nossos mestres pilhando a ciência nos livros e a trazendo na ponta da língua tão somente para vomitá-la e lançá-la ao vento.

Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou dos epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza absoluta em sua opinião.

Não menos que saber, duvidar me apraz, como diz Dante Alighieri (p. 71).

A verdade e a razão são comuns a todos e não pertencem mais a quem as diz primeiro do que ao que as diz depois. Não é mais segundo Platão, do que segundo eu mesmo, que tal coisa se enuncia, desde que a compreendamos e a vejamos da mesma maneira. As abelhas libam flores de toda espécie, mas depois fazem o mel que é unicamente seu e não do tomilho ou da manjerona. Da mesma forma os elementos tirados de outrem, ele os terá de transformar e misturar para com eles fazer obra própria, isto é, para forjar sua inteligência. Educação, trabalho e estudo não visam senão a formá-la (p. 77).

Por isso, o comércio dos homens é de evidente utilidade, assim como a visita a países estrangeiros; não para nos informar, como o fazem nossos fidalgos franceses, acerca das dimensões da Santa Rotonda, ou da riqueza das calças da Signora Lívia, dizer-nos se a cabeça de Nero em uma velha ruína qualquer é mais comprida ou mais larga do que em certas medalhas, mas para observar os costumes e o espírito desssas nações e para limar e polir nosso cérebro ao contato dos outros. Gostaria que fizessem a confiança viajar desde pequena e em primeiro lugar pelos países vizinhos cuja língua se afasta mais da nossa, pois se não a habituamos a ela desde cedo, a ela não se acostumará (p. 78)".

Referência:
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios I. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1972.



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