AS ESCOLAS MODERNAS OU RACIONALISTAS, OS CENTROS DE ESTUDOS SOCIAIS E A UNIVERSIDADE POPULAR: AS EXPERIÊNCIAS EDUCACIONAIS DO MOVIMENTO OPERÁRIO ANARQUISTA NOS ANOS 1910 E 1920

Por MARIA LUISA SANTOS RIBEIRO

As lideranças com formação operária do movimento anarquista da Primeira República, em sua maioria, eram constituídas por pessoas que, por esse período, chegaram ao Brasil como imigrantes e traziam a experiência teórica e prática adquirida pela participação na luta dos trabalhadores europeus por seus direitos.
O anarquismo é uma concepção teórica que defende a criação de uma sociedade de base socialista, onde não haja limitação externa à liberdade de todo e qualquer indivíduo.
Tinham os anarquistas o analfabetismo como um grande obstáculo e entendiam que a luta pelo tipo de sociedade que almejavam, qual seja, uma sociedade de homens e mulheres livres e solidários, impunha a tomada de iniciativas culturais e educacionais propriamente ditas.
Os anarquistas viam tanto a Igreja como o Estado como instrumentos na defesa e consolidação dos interesses capitalistas. Assim sendo, eram vistos como instrumentos contrários aos interesses dos trabalhadores. Coerentes com isso, combatiam a influência da formação religiosa dada nas igrejas ou nas escolas quanto a existência da escola pública. Esta era entendida como "escola do Estado" e da classe social dominante - a burguesia - que, consequentemente, dominava o aparelho estatal, do qual a escola pública era parte.
Os anarquistas lutaram pela criação de escolas independentes, tanto das igrejas quanto do Estado e que, portanto, tinham que ser financiadas com recursos dos próprios interessados.
Diferentemente dos socialistas, portanto, não reivindicavam recursos públicos para o sustento de suas iniciativas culturais e educacionais.
Semelhantemente aos socialistas, não ficaram apenas no âmbito da luta ideológica. Também partiram para a prática incentivando a criação de escolas e centros de estudos.
As escolas primárias, que vão aparecendo sob sua influência, antes, durante e depois dos anos 1910, recebem a denominação de ESCOLAS MODERNAS ou ESCOLAS RACIONALISTAS. Eram escolas só para crianças, filhos de operários ou de outra origem social. Estes últimos eram filhos de profissionais liberais, intelectuais e, mesmo, pequenos proprietários interessados numa educação nova, com vistas a uma sociedade de novo tipo.
Nelas atuavam como professores pessoas de diferentes origens e situações sociais. Algumas como atuação política. Todas elas bastante preocupadas com as questões educacionais vinculadas ao processo de transformação da sociedade de então numa sociedade mais de acordo com as necessidades propriamente humanas. Todas elas, portanto, inseridas na discussão dos aspectos pedagógicos contidos num desafio como esse. Nem todas anarquistas por formação.
Os princípios pedagógicos defendidos e aplicados nessas escolas eram os da educação: (1) INTEGRAL, que propiciasse o desenvolvimento progressivo e bem equilibrado do ser humano por inteiro; (2) RACIONAL, fundada na razão e não na fé, conforme os princípios da ciência atual; (3) MISTA, conjunta para ambos os sexos; (4) SOLIDÁRIA, para formar homens livres e que respeitassem a liberdade alheia.
Escolas desse tipo existiram em várias das grandes cidades brasileiras, em diversos estados, principalmente no Rio de Janeiro, Porto Alegre e São Paulo. No estado de São Paulo, nos anos 1910, a divulgação de tais ideias foi tão intensa que, em várias das pequenas cidades do interior, chegaram a ser criadas "escolas modernas".
Essa intensificação, tanto da difusão das ideias pedagógicas como na criação de escolas, deu-se logo após o fuzilamento em 1909, por motivos políticos, do educador e militante espanhol, FRANCISCO JUAN RAMON FERRER. Ele foi um dos fundadores da "Escola Moderna" de Barcelona, servindo de modelo para os militantes de vários países, inclusive do Brasil.
Por iniciativa dos anarquistas foram criados, também, os denominados CENTROS DE ESTUDOS SOCIAIS. Isto aconteceu em muitos estados brasileiros. Em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo tais centros multiplicaram-se por diversos bairros. Com instalações simples, eram uma nova opção para o trabalhador passar suas poucas horas de lazer. Concorriam com as opções existentes de ida à igreja e ao bar, por exemplo. Nesses centros eram organizadas bibliotecas, discussões de temas políticos e culturais, festas, apresentações artísticas, etc.
Por oito meses os anarquistas chegaram a fazer funcionar uma UNIVERSIDADE POPULAR, a exemplo da experiência acontecida na França por essa época. Esse curto período de existência se deveu, fundamentalmente, aos problemas resultantes da intensa repressão político-policial a que os anarquistas foram submetidos.
Pelas atividades que promovia, a Universidade Popular ficava como que a meio termo da escola e do centro social. Os cursos eram organizados na forma de palestras e cada uma das aulas versava sobre um assunto, tratado compactamente, de tal maneira que eram independentes. Isso facilitava a frequência, já que quem perdesse uma aula não ficava impedido de continuar o curso. Nessas iniciativas educacionais colaboraram, como professores, tanto operários como profissionais de outras áreas com formação superior.
Se, de um lado, isso representava algo positivo, de outro, não deixava de criar algum tipo de problema. No caso da Universidade Popular, alguns dos intelectuais que colaboraram não haviam tido ligação anterior com o movimento operário. Essa falta de experiência, às vezes, fazia com que apresentassem os assuntos de maneira muito erudita.
Referência:
RIBEIRO, Maria Luisa Santos. A luta pela ampliação das oportunidades escolares (1910-1960). In: XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado; RIBEIRO, Maria Luisa Santos; NORONHA, Olinda Maria. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994.





TEXTOS MAIS LIDOS