O PONTO DE PARTIDA E O DE CHEGADA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ANALFABETISMO, EVASÃO ESCOLAR E ESTADO DE MISÉRIA
Por MARIA ELIZABETE S. P. XAVIER / MARIA LUISA S. RIBEIRO / OLINDA MARIA NORONHA
A educação escolar brasileira, conforme está organizada, apresenta, ainda hoje, sérios problemas de quantidade e qualidade.
Mas não se deixe iludir! Não se esqueça do que Sérgio Haddad disse: "Não existe no mundo nenhum exemplo de sociedade que tenha superado o analfabetismo sem resolver as condições sociais que geram o analfabeto" (Folha de S. Paulo, 2 set. 1991. Cad. 1, p. 7).
Quando se quer contribuir seriamente para as soluções de problemas relativos à quantidade e à qualidade da educação escolar na sociedade brasileira como um todo, há que se perguntar antes: o mais grave problema enfrentado pela maioria da população diz respeito à escola?
Creio que, quando dirigimos nossa atenção para a população brasileira, constatamos o fato de que uma grande parte dela encontra-se em ESTADO DE MISÉRIA.
Esta trágica constatação alerta-nos para a realidade de que uma população submetida a tal estado certamente necessita de escolas, mais precisamente, de boas escolas. Mas, antes disso ou concomitantemente a isso, necessita de emprego, salário, comida, vestimenta, atendimento médico-sanitário, etc.
Toda pessoa, para ter condições mínimas de frequentar regularmente as aulas e conseguir obter um rendimento satisfatório, necessita de precondições para tanto. Precondições estas garantidas por uma determinada situação econômico-financeira e também cultural, é bom não esquecer. Assim sendo, é também óbvio que faltam tais precondições para aqueles que se encontram na miséria.
Os problemas escolares, para serem resolvidos, dependem da solução das questões de ordem econômica e política.
O compromisso com a ampliação da rede escolar e de sua melhora em qualidade necessariamente nos obriga a um compromisso com a erradicação da miséria da sociedade brasileira. Obriga-nos, portanto, enquanto cidadãos, à participação mais efetiva na luta coletiva e organizada por uma sociedade mais justa.
Parafraseando o educador Sérgio Haddad, citado anteriormente, poderíamos dizer em alto e bom som: É preciso que destruamos as condições sociais que, na sociedade brasileira, geram o analfabeto, o repetente, o expulso (evadido) da escola.
Ser analfabeto, ou seja, não dominar o "ofício de ler e escrever", numa sociedade como a brasileira, causa problema para essa pessoa? Sim, por várias razões.
Ser analfabeto causa problema, acima de tudo porque nossa sociedade está inserida no âmbito da cultura letrada. Sempre foi assim? Não!
Antes da chegada dos europeus na América, havia no Brasil uma população num estágio cultural do qual não faziam parte a leitura e a escrita; no qual, portanto, não saber ler e escrever não constituía problema.
Daí por diante, sim! Você lembra que na expedição de Pedro Álvares de Cabral havia um escrivão? Era o tal de Pero Vaz de Caminha que, mais do que depressa, foi incumbido de escrever uma carta ao rei de Portugal.
Qualquer um de nós percebe, hoje em dia, o quanto influencia os outros e é por eles influenciado através das "letras".
A leitura e a escrita constituem-se em importantes canais de comunicação entre as pessoas. Assim sendo, todas elas têm o direito ao acesso a esses canais. E, na medida em que uns sabem e outros não, cria-se um ambiente de desigualdade de direitos. E, na medida em que para alguns é negado esse direito, instala-se um ambiente de injustiça.
Todos nós, simplesmente por sermos parte de uma sociedade onde essa situação se apresenta, somos diariamente chamados a tomar posição diante dela. E, muitas vezes, por falta de conhecimento, isto é, por falta de consciência, ou mesmo por comodismo e até por egoísmo, não reagimos coletiva e organizadamente contra tal situação. Desse modo acabamos por reforçar a desigualdade e a injustiça.
Analfabetismo é um "palavrão" que precisa ser combatido. E, infelizmente, em termos educacionais, este não é o único "palavrão" a ser combatido. Há um outro: evasão escolar. Para os pesquisadores, evasão escolar é o fenômeno de abandono da escola por parte de determinada pessoa antes de terminar o curso no qual se matriculou.
Ainda hoje, no Brasil, existem crianças fora da escola, mesmo com a Constituição determinando a obrigatoriedade escolar para elas. São os candidatos a analfabetos.
Seria interessante procurar saber o que vem acontecendo com as crianças que estão matriculadas na escola. Primeiramente, muitas crianças entram na escola e repetem uma ou mais vezes e, consequentemente, concluem sua vida escolar com atraso. Em segundo lugar, muitas entram e, por vários motivos, dentre os quais certamente está o de repetir de ano, acabam por abandonar a escola. Finalmente, algumas dessas crianças que abandonam a escola podem até voltar para, mais uma vez, tentar concluir pelo menos o ensino fundamental. Umas certamente conseguem; outras, não!
As consequências de acontecimentos dessa ordem são de dois tipos: (1) o crescimento desordenado da vida escolar; (2) uma clientela para o ensino supletivo, como tentativa de concluir o que não foi possível através do ensino regular.
Atente para este fato: as condições de vida da maioria das famílias brasileiras transformam numa "proeza" o que, por direito, um ser humano deveria conseguir sem grandes dificuldades!
Você acha que é aceitável que nós, brasileiros, fiquemos dando uma de "distraído" ou de "conformado" diante de uma situação como essa?
Você acha que é aceitável que estudantes ou profissionais do curso de MAGISTÉRIO fiquem dando uma de "distraído" e de "conformado"?
Nós achamos que não!
Não se esqueça de que, na condição de aluno ou profissional de um curso de Magistério, você é uma pessoa - um cidadão brasileiro - no exercício de um de seus direitos, o direito à educação escolar. Cidadão: indivíduo no gozo dos direitos civis, sociais e políticos de um Estado.
Mesmo que você seja uma pessoa que nunca tenha lutado por ele, este é um direito, fruto de uma longa luta de muita gente por mais vagas nas escolas públicas e particulares na sociedade brasileira. Integre-se a essa luta.
Luta por boas escolas para todos, mas não apenas isto. Luta também pelas condições sociais necessárias à existência de boas escolas para todos. Luta por condições dignas de trabalho, moradia, alimentação, vestimenta, lazer, etc.
Luta, enfim, por uma sociedade mais justa, mais humana onde se desenvolva uma organização escolar em condições de atender, em quantidade e em qualidade, às necessidades das pessoas que a constituem.
Exerça a sua cidadania não apenas usufruindo dos direitos garantidos a você pelos outros. Exerça sua cidadania garantindo direitos já conquistados para você e para os outros. Exerça sua cidadania conquistando novos direitos para você e para os outros, pois muitos, por estarem jogados na miséria, não têm o direito à luta por seus direitos.
Referência:
XAVIER, Maria Elizabete Sampaio Prado; RIBEIRO, Maria Luísa Santos; NORONHA, Olinda Maria. História da educação: a escola no Brasil. São Paulo: FTD, 1994.
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