ARISTÓTELES, A PEDAGOGIA DA ESSÊNCIA E O DEVER DO ESTADO COM A EDUCAÇÃO DESTINADA À FORMAÇÃO PARA A CIDADANIA

Aristóteles (384-332 a.C.) nasceu na cidade de Estagira, norte da Grécia. Mudou-se para Atenas, onde foi discípulo de Platão, tendo permanecido por 20 anos na Academia - um dos ginásios de ensino superior na cidade. Mais tarde fundou em Atenas a sua própria escola, o Liceu, no ginásio de Apolo Lício. Aristóteles elaborou um sistema filosófico que abrangia os mais diversos aspectos do saber do seu tempo, inclusive das ciências. Filho de médico, herdou o gosto pela observação, tendo classificado cerca de 540 espécies de animais, o que mostra a importância dada à investigação científica, também valorizada na sua concepção pedagógica.
Conforme Platão, as coisas concretas, em constante movimento, são simples aparências, sombras da verdadeira realidade do mundo das ideias, do mundo imóvel dos conceitos. Por outro lado, Aristóteles critica o idealismo do seu mestre e desenvolve uma teoria realista, segundo a qual a imutabilidade do conceito e o movimento das coisas podem ser explicadas a partir das "coisas mesmas", recusando, portanto, o artifício do mundo das ideias. Para explicar o ser, Aristóteles usa dois elementos indissociáveis: a "matéria" e a "forma". A matéria é pura passividade, contendo as virtualidades da forma em potência. A forma é o princípio inteligível, a essência comum aos indivíduos de uma mesma espécie, pela qual cada um é o que é. Num paralelismo que facilita a compreensão, numa estátua a matéria é o mármore; a forma é a ideia que o escultor realiza e pela qual individualiza e determina.

Apoiado na noção de matéria e forma, Aristóteles explica o devir (ou movimento). Todo ser tende a atualizar a forma que tem em si como potência, tende a atingir a perfeição que lhe é própria e o fim a que se destina. Assim, a semente do carvalho, enterrada, tende a se desenvolver e se transformar no carvalho que era em potência. O movimento é, pois, a passagem da potência para o ato. A teoria do movimento leva à distinção entre as causas possíveis dos seres. Retomando o exemplo da estátua, para haver transformação, atuam várias delas: 1) a "causa material" é o mármore; 2) a "causa eficiente" é o escultor; 3) a "causa formal" é a forma que a estátua adquire; e 4) a "causa final" é o motivo ou a razão por que uma matéria adquire determinada forma, ou seja, a finalidade da estátua. Como consequência da teoria do movimento e das causas para a Pedagogia, toda educação deve levar em conta o fato de o homem estar em constante devir. A educação tem como finalidade ajudar o homem a alcançar a plenitude e a realização do seu ser, a atualizar as forças que tem em potência. Trata-se de uma "pedagogia da essência", pois a educação pretende levar o homem a "tornar-se o que deve ser".
O sumo bem é alcançar a "felicidade". Ela consiste na plenitude da realização do homem, quando desenvolve as suas faculdades físicas, morais e intelectuais. Para se atingir a felicidade, segundo Aristóteles na obra "Política", capítulo II, livro VIII, "faz muita diferença a natureza do objetivo visado em certa atividade ou em certo estudo; se alguém segue uma atividade ou um estudo para seu benefício ou para benefício dos seus amigos, ou visando às qualidades morais, eles nada têm de vulgar, mas aquele que se dedica a eles por causa de terceiros parece muitas vezes estar agindo mercenária ou servilmente" (p. 270).

Contudo, para Aristóteles, aquilo que mais fundamentalmente caracteriza o homem e o distingue do animal é a capacidade de pensar e, portanto, a sua perfeição se encontra no exercício dessa atividade. Se a virtude do homem é viver conforme a razão, cabe a ela disciplinar os sentimentos e os instintos.

Aristóteles enfatiza a ação da "vontade", exercitada pela repetição, que conduz ao hábito: só é virtuoso o homem que tem o hábito da virtude. Daí ser a "imitação" o instrumento por excelência desse processo, segundo o qual a criança se educa repetindo os atos de vida dos adultos, adquirindo hábitos que vão formar uma "segunda natureza". Essa aprendizagem se faz no esforço de buscar por escolha livre o "justo meio" entre dois vícios (que representam os extremos por falta ou por excesso). Por exemplo, a coragem é o meio-termo entre a covardia e a temeridade; a gentileza, entre a indiferença e a irascibilidade; a liberalidade, entre a avareza e a prodigabilidade, e assim por diante. Ademais, conforme Aristóteles, "pode-se dizer que há quatro ramos de educação: a gramática, a ginástica, a música, e o quarto de acordo com alguns é o desenho; a gramática e o desenho são considerados úteis na vida e com muitas aplicações, e se pensa que a ginástica contribui para a bravura; quanto à música, todavia, levantam-se algumas dúvidas. Com efeito, a maioria das pessoas a cultiva por prazer, mas aqueles que a incluíram na educação agiram assim porque, como já foi dito muitas vezes, a própria natureza atua no sentido de sermos não somente capazes de ocupar-nos eficientemente de negócios, mas também de nos dedicarmos nobremente ao lazer, pois este é o princípio de todas as coisas. [...]. É claro, portanto, que há ramos do conhecimento e da educação que devemos cultivar apenas com vistas ao lazer dedicado à atividade intelectual, e tais ramos devem ser apreciados por si mesmos, enquanto as formas de conhecimento relacionadas com os negócios são cultivadas como necessárias e como meios para atingir outros fins. Por esta razão os antigos incluíram a música na educação, não por ser necessária (nada há de necessário nela), nem útil no sentido em que escrever e ler são úteis aos negócios e à economia doméstica e à aquisição de conhecimentos e às várias atividades da vida em uma cidade, ou como o desenho também parece útil no sentido de tornar-nos melhores juízes das obras dos artistas, nem como nos dedicamos à ginástica, por causa da saúde e da força (não vemos qualquer destas duas resultarem da música); resta, portanto, que ela seja útil como uma diversão no tempo de lazer; parece que sua introdução na educação se deve a esta circunstância, pois ela é classificada entre as diversões consideradas próprias para os homens livres" (p. 270).

Estreitamente ligada à ética, encontra-se a Política, pela qual o homem define as condições da vida boa em sociedade. Na sua obra "Política", Aristóteles esboça uma teoria da educação, discutindo como o Estado deve se ocupar com a formação da cidadania. Coerente com o pensamento do seu tempo, restringe o benefício da cidadania aos homens livres, sobretudo aos que dispõem de tempo para o "ócio digno", excluindo, portanto, os que se ocupam com as artes mecânicas, como os artesãos e escravos. Para Aristóteles, "não é difícil de ver, então, que devem ser ensinados aos jovens os conhecimentos úteis realmente indispensáveis, mas é óbvio que não se lhes deve ensinar todos eles, distinguindo-se as atividades liberais das servis; deve-se transmitir aos jovens, então, apenas os conhecimentos úteis que não tornam vulgares as pessoas que os adquirem. Uma atividade, tanto quanto uma ciência ou arte, deve ser considerada vulgar se seu conhecimento torna o corpo, a alma ou o intelecto de um homem livre inúteis para a posse e a prática das qualidades morais. Eis por que chamamos vulgares todas as artes que pioram as condições naturais do corpo, e as atividades pelas quais se recebem salários; elas absorvem e degradam o espírito" (p. 269).

Deve-se também a Aristóteles a organização rigorosa do "Organon" ou instrumento de pensar, que mais tarde recebe a denominação de "lógica formal". A compreensão precisa dos processos de análise e síntese, indução, dedução e analogia ajudará a desenvolver também o método lógico de ensinar.

A repercussão do pensamento aristotélico não se deu de imediato na Grécia do seu tempo. Os seus trabalhos foram levados para a Ásia Menor por volta de 287 a. C. e teriam se perdido por cerca de 200 anos, até reaparecerem na biblioteca de Alexandria, onde foram classificados e posteriormente levados para Roma. Durante a Idade Média, a sua obra permaneceu muito tempo desconhecida, ressurgindo inicialmente por intermédio dos árabes e, a partir do século XIII, foi incorporada pela filosofia escolástica, que adaptou o seu paganismo às concepções cristãs.

Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996.

ARISTÓTELES. Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.



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