JOÃO AMÓS COMÊNIO, A PEDAGOGIA REALISTA E A EDUCAÇÃO PARA TODOS
No século XVII, as ideias advindas do racionalismo e do renascimento científico influenciaram os pedagogos, cada vez mais interessados pelo método e realismo em educação. A principal tendência é a busca de métodos diferentes a fim de tornar a educação mais agradável e ao mesmo tempo eficaz na vida prática.
Ser realista (do latim "res", "coisa") significava privilegiar a experiência, as coisas do mundo e dar atenção aos problemas da época. Por isso, cada vez mais os autores usavam o vernáculo (língua materna). Nas escolas, a língua materna se sobrepôs ao latim, apesar de persistir o ideal enciclopédico. A educação física era também valorizada. A pedagogia realista contrariava a educação antiga, excessivamente formal e retórica. Preferia o rigor das ciências da natureza e buscava superar a tendência literária e estética própria do humanismo renascentista.
Por considerar que a educação deveria partir da compreensão das coisas e não das palavras, a pedagogia moderna exigiu uma outra didática. No trabalho de instauração dessa escola se empenharam educadores leigos e religiosos. A escola moderna, em consonância com seu tempo, propôs-se uma tarefa: se há método para conhecer corretamente, deverá haver para ensinar de forma mais rápida e mais segura. Esse foi o empenho de João Amós Comênio (1592-1670), nascido na Moravia. O maior educador e pedagogo do século XVII produziu uma obra fecunda e sistemática, cujo principal livro é "Didática magna".
Comênio pretende tornar a aprendizagem eficaz e atraente mediante cuidadosa organização de tarefas. Ele próprio se empenha na elaboração de manuais - uma novidade para a época - e minuciosamente detalha o procedimento do mestre, segundo gradações das dificuldades e num ritmo adequado à capacidade de assimilação dos alunos. Para Comênio, "desejamos que o método de ensinar atinja tal perfeição que, entre a forma de instruir habitualmente usada até hoje e a nossa nova forma, apareça claramente que vai a diferença que vemos entre a arte de multiplicar os livros, copiando-os à pena, como era uso antigamente, e a arte da imprensa, que depois foi descoberta e agora é usada. Efetivamente, assim como a arte tipográfica, embora mais difícil, mais custosa e mais trabalhosa, todavia é mais acomodada para escrever livros com maior rapidez, precisão e elegância, assim também este novo método, embora a princípio meta medo com as suas dificuldades, todavia, se for aceite nas escolas, servirá para instruir um número muito maior de alunos, com um aproveitamento muito mais certo e com maior prazer, que com a vulgar ausência de método" (COMÊNIO, 1996, p. 455).
O ponto de partida da aprendizagem é sempre o conhecido, indo do simples para o complexo, do concreto para o abstrato. A experiência sensível é fonte de todo conhecimento, por isso é valorizada a educação dos sentidos. O verdadeiro estudo se inicia nas próprias coisas, no "livro da natureza", o que representa viva oposição ao ensino retórico dos escolásticos.
O ensino deve ser feito pela ação e estar voltado para a ação (só fazendo, aprendemos a fazer). Além disso, é importante não ensinar o que tem valor apenas para a escola, e sim o que serve para a vida. A utilidade de que trata Comênio faz do homem um ser moral, por isso as escolas são uma verdadeira iniciação à vida. Segundo esse educador, "seja para os professores regra de ouro: que cada coisa seja apresentada àquele dos sentidos a que convém, ou seja, as coisas visíveis à vista, as audíveis ao ouvido, as odorosas ao olfato, as saborosas ao gosto, as tangíveis ao tato; e se algumas podem, ao mesmo tempo, ser percepcionadas por vários sentidos, sejam colocadas, ao mesmo tempo, diante de vários sentidos" (COMÊNIO, 1996, p. 307).
Em consonância com o espírito do seu tempo, Comênio quer "ensinar tudo a todos". Atingir o ideal da "pansofia" ou sabedoria universal, no entanto, não significa para ele a erudição vazia. Pensa ser possível um inventário metódico dos conhecimentos universais, de modo que o aluno tenha um saber geral e integrado, ainda que simplificado, desde o ensino elementar. Nos outros graus, o aprofundamento possibilita a análise crítica e a invenção, pois a educação permite ao aluno pensar por si mesmo, não como simples espectador, mas ator. Só assim há progresso intelectual, moral e espiritual capaz de aproximar o homem de Deus. Conforme Comênio, "importa demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a todos. Isto não quer dizer, todavia, que exijamos de todos o conhecimento de todas as ciências e de todas as artes (sobretudo se se trata de um conhecimento exato e profundo). Com efeito, isso, nem, de sua natureza, é útil, nem, pela brevidade da nossa vida, é possível a qualquer dos homens. Pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que nos façamos de espectadores, mas também de atores. Deve, portanto, providenciar-se e fazer-se um esforço para que a ninguém, enquanto está nesse mundo, surja qualquer coisa que lhe seja de tal modo desconhecida que sobre ela não possa dar modestamente o seu juízo e dela se não possa servir prudentemente para um determinado uso, sem cair em erros nocivos" (COMÊNIO, 1996, p. 145-146).
De acordo com Comênio, o complemento de sua pansofia é a aspiração democrática do ensino, ao qual todos teriam acesso, homens ou mulheres, ricos ou pobres, com maior ou menor dificuldade de aprendizado: "Que devem ser enviados às escolas não apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos principais, mas todos por igual, nobres e plebeus, ricos e pobres, rapazes e moças, em todas as cidades e aldeias, demonstram-no as razões seguintes. Em primeiro lugar, todos aqueles que nasceram homens, nasceram para o mesmo fim principal, para serem homens, ou seja, criatura racional, senhora das outras criaturas, imagem verdadeira do seu Criador. Todos, por isso, devem ser encaminhados de modo que, embebidos seriamente do saber, da virtude e da religião, passem utilmente a vida presente e se preparem dignamente para a futura. Que, perante Deus, não há pessoas privilegiadas, Ele próprio o afirma constantemente. Portanto, se nós admitimos à cultura do espírito apenas alguns, excluindo os outros, fazemos injúria, não só aos que participam conosco da mesma natureza, mas também ao próprio Deus, que quer ser conhecido, amado e louvado por todos aqueles em quem imprimiu a sua imagem. E isso será feito com tanto mais fervor, quanto mais acesa estiver a luz do conhecimento: ou seja, amamos tanto mais, quanto mais conhecemos. Em segundo lugar, porque não nos é evidente para que coisa nos destinou a divina providência. É certo, porém, que, por vezes, de pessoas paupérrimas, de condição baixíssima e obscurantíssima, Deus constitui órgãos excelentes da sua glória" (COMÊNIO, 1996, p. 139-140).
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