A AUTOBIOGRAFIA DE UM ESCRITOR EX-ESCRAVO: MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA

(Para uma reflexão histórica sobre a luta e resistência da população negra contra o racismo e a escravidão na América e, em especial, no Brasil)

A autobiografia de Mahommah Gardo Baquaqua é um importante documento histórico sobre a luta e resistência da população negra contra o racismo e a escravidão no continente americano e, em especial, no Brasil, no século XIX. Trata-se de um dos poucos homens que deixou registro escrito de sua vida como escravo e de como se libertou.
Em seu livro de memórias, Mahommah declara ter nascido na cidade de Djougou, em Benin, que era um importante mercado de escravos na África Ocidental. Em 1845, capturado pelo exército Ashante, foi vendido a traficantes brasileiros. Chegou ao Estado de Pernambuco, onde foi batizado com o nome de José e vendido a um padeiro, que o descrevia como um "patife com feições humanas". Segundo o relato de Mahommah, depois de muitas surras e chicotadas, tornou-se insubordinado e fujão, além de sempre andar embriagado. Pensou em matar seu senhor, e uma vez tentou o suicídio. O padeiro, descontente, vendeu-o a um traficante, que o enviou ao Rio de Janeiro, onde foi comprado por um comandante de navio mercante.
Fez várias viagens com seu novo senhor, sempre relatando as pancadas e chicotadas que recebia. Em 1847, chegou a Nova York, nos Estados Unidos, em um navio carregado de café brasileiro. Acreditou que, como ia para uma terra onde não havia escravidão, seria declarado imediatamente livre. Membros de uma sociedade abolicionista norte-americana acusaram a existência de escravos ilegais no navio e entraram com um processo contra o comandante. Os escravos ficaram presos, mas acabaram por fugir com a ajuda dos abolicionistas.
Como fugitivo, Mahommah foi para a cidade de Boston e, depois, para o Haiti, onde a escravidão fora abolida décadas antes. Ali se converteu ao protestantismo e permaneceu por dois anos. Não se adaptou. Retornou a Nova York e ingressou como estudante no Central College, em 1850, com o nome muçulmano de Mahommah Gardo Baquaqua. Sofreu com o racismo na universidade norte-americana, e acabou no Canadá, onde se naturalizou cidadão canadense. É provável que tenha escrito sua autobiografia, publicada em 1854, nessa nova etapa de seu exílio.
Suspeita-se que o livro de Mahommah Gardo Baquaqua, publicado em 1854, por Samuel Moore, em Detroit, Estados Unidos, teve algumas passagens acrescentadas ou modificadas, atendendo aos interesses missionários e abolicionistas do editor. Todavia, isto não tira a relevância da obra como um documento para as pesquisas históricas sobre o contexto político e cultural do continente africano e, em especial, de Benin, durante a mocidade de Mahommah, e o tráfico de escravos, a escravidão negra, a campanha abolicionista e o racismo na América durante o século XIX.
Mahommah tentou voltar para a África várias vezes, mas não conseguiu. Sua trajetória é exemplo de pessoas traficadas para o Brasil que tiveram como sonho retornar a sua terra de origem.
Referência:
BAQUAQUA, Mahommah Gardo. Biografia de Mahommah Gardo Baquaqua: um nativo de Zoogoo, no interior da África. Trad. Lucciani Furtado. São Paulo: Uirapuru, 2017.



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