DERMEVAL SAVIANI E A CRÍTICA AO EXCESSO DE ATIVIDADES FESTIVAS/COMEMORATIVAS DESCONTEXTUALIZADAS NO ÂMBITO EDUCACIONAL: TUDO É CURRÍCULO?

O currículo é um elemento enriquecedor do trabalho do professor no contexto formal e no contexto não-formal. O currículo é de suma importância para a vida e o planejamento do docente, pois é o currículo que possibilita ao professor uma organização fixa dos conteúdos e das atividades de forma clara, autônoma, reflexiva, ativa e democrática no contexto escolar. Neste sentido, o currículo pode ser considerado um recurso em prol do ensino-aprendizagem e desenvolvimento significativo dos discentes na sociedade.

Por este motivo, é necessário refletir-se sobre as diversas atividades elaboradas em algumas escolas, onde se observa a carga horária extensa utilizada para a realização de atividades festivas / comemorativas no âmbito educacional. Há muitas datas comemorativas que as escolas incorporam como uma "tradição popular". Datas que começam a ser celebradas em fevereiro, sendo tais celebrações encerradas apenas em dezembro. Assim, finaliza-se o ano letivo com um "recheio" de festividades sem a devida reflexão delas para a vida dos estudantes. Nem tudo o que acontece na escola pode ser considerado como pertencente ao currículo escolar, uma vez que, por inúmeras vezes, não há uma reflexão intencional sobre as atividades elaboradas dentro do contexto educacional.

Os professores dedicam bastante tempo muitas vezes às questões secundárias em detrimento da real necessidade da escola. Perde-se muito tempo com atividades descontextualizadas, como por exemplo, as diversas comemorações realizadas durante o ano letivo que seguem desde o carnaval até as festas natalinas. Em sua maioria, tais atividades partem de ações isoladas, desvinculadas do planejamento e com uma concepção de cunho ideológico que relega para o segundo plano as questões históricas que permeiam estas festividades.

A escola poderia dedicar o seu tempo para a apropriação do saber científico. Nas palavras de Dermeval Saviani na obra "Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações", "o ano letivo começa em fevereiro e logo temos a semana do índio, a semana santa, a semana das mães, a semana do folclore, as festas juninas, em agosto vem a semana do soldado, depois a semana da pátria, a semana da árvore, os jogos da primavera, semana da criança, festa do professor, semana da República, festa da bandeira, e nesse momento já chegamos ao final de novembro. O ano letivo se encerra e estamos diante da seguinte constatação: fez-se tudo na escola; encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito pouco tempo foi destinado ao processo de transmissão-assimilação de conhecimentos sistematizados. Mas, pode-se perguntar: qual é o problema? Se tudo é currículo, se tudo o que a escola faz é importante, se tudo concorre para o crescimento e a aprendizagem dos alunos, então, tudo o que faz é válido e a escola não deixou de cumprir a sua função educativa. No entanto, o que se constata é que, de semana em semana, de comemoração em comemoração, a verdade é que a escola perdeu de vista a sua atividade nuclear que é a de propiciar aos alunos a aquisição dos instrumentos de acesso ao saber elaborado" (SAVIANI, 2000, p. 1).

Com tal posicionamento crítico, Dermeval Saviani não está afirmando que as atividades comemorativas sejam desnecessárias no contexto escolar. Pelo contrário, as atividades comemorativas - históricas e culturais - devem ser realizadas, vivenciadas, praticadas e compreendidas verdadeiramente pelos discentes no ambiente escolar, onde tais atividades tem que ser praticadas de uma maneira mais real e reflexiva e não apenas se resumindo o professor a chegar em sala de aula e dizer para os seus alunos, por exemplo: "Hoje comemoramos o dia do índio, vamos colorir em folha de papel sulfite a aldeia, a qual representa a comunidade dos povos indígenas". O simples fato de que os alunos saibam que em tal data se comemora o dia do índio e que a aldeia representa a comunidade dos povos indígenas não contribuirá para a aprendizagem dos discentes, muito menos para ampliar qualquer conhecimento ou entendimento, pois o assunto precisa ser exemplificado, a história precisa ser contada com valores, ensinamentos, princípios e, sobretudo, com reflexão e análise crítica.

Muitas vezes há um distanciamento entre as atividades escolares e a realidade social dos discentes. Por este motivo, a escola e os professores precisam propor metodologias de ensino mais concretas e estar abertos ao diálogo na busca de obterem uma conversa uma sensibilizada com os pais e com os educandos que chegam até a escola na tentativa de conhecerem a realidade dos discentes para que, então, possam oferecer uma aprendizagem de qualidade. Dessa maneira, a aprendizagem atenderá às necessidades e diversas realidades das crianças e dos jovens em processo de escolarização.

Quando a escola desperdiça muito tempo com atividades comemorativas e secundárias, perde-se uma carga horária preciosa que poderia ser utilizada para a reflexão e a assimilação concreta do conhecimento pelos alunos com dificuldades de aprendizagem. A cultura escolar instalada do excesso de atividades festivas/comemorativas prejudica gradativamente o desenvolvimento científico dos estudantes. É quase "normal" se visualizar ou se ler em jornais, livros ou revistas o quanto é constante em algumas escolas os alunos não aprenderem nem o básico dos valores humanos e educacionais para que possam viver bem em sociedade. O processo de ensino-aprendizagem está muito fragilizado, passivo e fragmentado, precisando de uma reestruturação na aprendizagem escolar dos discentes. Neste sentido, a carga horária para atividades comemorativas no contexto escolar deve ser levada em conta, ou seja, precisa ser diminuída, pois uma reflexão sobre a quantidade de comemorações ao longo do ano letivo levam à conclusão de que a escola não precisa comemorar cada data festiva presente no calendário tradicional.

Referência:
SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 7 ed. Campinas: Autores Associados, 2000.



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