RADICALISMOS DE DIREITA E ESQUERDA NA DITADURA MILITAR: TORTURA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NUNCA MAIS!

(Para uma reflexão histórica sobre a luta armada das guerrilhas e as torturas nos porões da ditadura militar no Brasil)

Após o golpe de 1964, estudantes universitários de esquerda acusaram a direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB) de não resistir ao golpe militar. Inspirados, sobretudo pela Revolução Cubana, militantes de grupos de esquerda acreditavam na possibilidade da derrocada da ditadura militar através da luta armada. Para isso, partilhavam de duas ideias equivocadas. A primeira era a de que não havia mais possibilidade de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, embora o denominado "milagre econômico" observado, principalmente durante o Governo Médici, desmentisse tal crença. A outra ideia era a de que, com a crise do capitalismo, os camponeses e os operários apoiariam a luta da guerrilha, perspectiva sobre o cenário brasileiro que também se revelou errônea. A sociedade brasileira em sua ampla maioria não desejava nenhuma revolução socialista, não apoiava luta armada e demonstrava desconhecimento dos motivos dos embates entre guerrilheiros e forças de repressão do Estado.
A partir das ilusões trazidas por estas ideias, a partir de 1964, multiplicaram-se as organizações de esquerda, entre as quais podem ser citadas o Partido Comunista Revolucionário (PCR), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Partido Operário Comunista (POC), a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Cada uma destas organizações se concebia como a vanguarda da classe trabalhadora na luta por uma "revolução socialista", que deveria ser iniciada no campo.
Todavia, era impossível se fazer uma revolução sem aporte financeiro para o aluguel de apartamentos nas cidades - também denominados de "aparelhos das células revolucionárias"-, o sustento de militantes e a compra de armas. Em outras palavras, fazer a "revolução socialista" custava caro e, para isso, as organizações de esquerda utilizaram de práticas como assaltos a bancos e carros-fortes nos centros urbanos sob o pretexto da "expropriação em nome da revolução". Em contrapartida, a ditadura militar decidiu enfrentar às guerrilhas tomando as seguintes iniciativas: (i) criaram-se nas Forças Armadas os DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna); (ii) a participação da Polícia Federal, das polícias estaduais (civil e militar) e dos Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) no combate unificado contra as organizações de esquerda; (iii) a adoção de práticas de prisão e tortura dos guerrilheiros nas dependências do DOI-CODI para que estes entregassem os companheiros à repressão, sendo os métodos de tortura mais comumente aplicados o "pau de arara", os afogamentos e os choques elétricos em várias partes do corpo.
A reação dos militantes das organizações de esquerda foi o desencadeamento de uma onda de sequestros de diplomatas estrangeiros em troca da libertação de prisioneiros. Entretanto, tais ações apenas contribuíram para o acirramento da repressão política pela ditadura militar. Na realidade, tratava-se de uma luta desigual, pois, de um lado, havia, em geral, jovens de classe média armados com revólveres, e, de outro, existia todo um aparato de militares profissionais e agentes treinados.

(1) RELATOS DE PRESOS E TORTURADOS DURANTE A DITADURA MILITAR:
(A) Jacob Gorender:
"No terceiro andar do DEOPS, empurraram-me até uma sala, onde identifiquei certos implementos: duas mesas paralelas e separadas com uma grossa trave de madeira apoiada em ambas, a maquininha com a manivela e os fios, um funil, cordas, bastões, etc. Tiraram-me a roupa e, desnudado, encostaram-me à parede. A função começou por uma dose de choques elétricos. A intervalos, novas doses.
Creio que depois de seis horas de tortura, lá pelas três da madrugada, suspenderam a função e mandaram que me vestisse. O resto da noite ia ser empregado na pressão psicológica. Perguntas sempre as mesmas, deboche, insultos. Tudo vil e nojento.
Prestei o depoimento da fase policial em condições de aguda debilitação física e num ambiente de terror onipresente. Duelava contra um inquisidor habilidoso. Por deliberação calculada, declarei apenas um ato incriminador contra mim mesmo: o de participante da fundação do PCBR".
(B) Frei Betto:
"Ao chegar à Oban, fui conduzido à sala de interrogatórios. A equipe do capitão Maurício passou a acarear-me com duas pessoas. O assunto era o congresso da UNE em Ibiúna, em outubro de 1968. Queriam que eu esclarecesse fatos ocorridos naquela época. Apesar de declarar nada saber, insistiam para que eu 'confessasse'. Pouco depois levaram-me para o pau de arara. Dependurado, nu, com mãos e pés amarrados, recebi choques elétricos, de pilha seca, nos tendões dos pés e na cabeça. Eram seis os torturadores, comandados pelo capitão Maurício. Davam-se 'telefones' (tapas nos ouvidos) e berravam impropérios. Isso durou cerca de uma hora".

(2) PARA REFRESCAR A MEMÓRIA DOS APOLOGISTAS DA TORTURA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DURANTE A DITADURA CIVIL MILITAR:
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 trata dos direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro, entre os quais se podem citar: (i) ninguém será submetido à tortura nem à tratamento desumano ou degradante; (ii) é livre a manifestação do pensamento; (iii) é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; (iv) a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível.

Referências:
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1990.

FREI BETTO. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Mariguella. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

FICO, Carlos. O regime militar no Brasil (1964-1985). São Paulo: Saraiva, 1999.





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