DE QUAL NACIONALISMO O BRASILEIRO REALMENTE NECESSITA?
(Para uma reflexão sobre a equivocada retórica “patriótica” e “nacionalista” do discurso militar e da extrema direita)
Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA (Caetité-Bahia, 12 de julho de 1900 - Rio de Janeiro, 11 de março de 1971. Jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro)
Nacionalismo é, fundamentalmente, a tomada de consciência pela nação de sua existência, de sua personalidade e dos interesses dos seus filhos. Pelo nacionalismo, os indivíduos da nação se fazem verdadeiramente irmãos e tudo que atinja a cada um passa a atingir a todos. Por isto mesmo, antes de mais nada, o nacionalismo aguça em cada um o sentimento de justiça para com os demais habitantes do país, impondo a participação de todos na vida nacional e fazendo crescer a coesão e a consciência de igualdade entre eles. Passam todos, efetivamente, a se sentirem cidadãos da mesma pátria, com direito à mútua solidariedade e a certa igualdade fundamental.
O nacionalismo é um movimento de consciência da nação contra a divisão, o parcelamento dos seus filhos entre "favorecidos" e "desfavorecidos" e contra a alienação de sua cultura e de seus gostos, voltados antes para a imitação e a admiração do estrangeiro do que para o amor esclarecido de suas próprias coisas; e a favor da integração de todos na pátria comum, com um mínimo de cultura própria e autônoma e a favor da solução de suas contradições econômicas e sociais e da correção gradual de seus defeitos maiores, que passam a ser reconhecidos sem desprezo, analisados com denodo e vigorosamente combatidos. Esse movimento é, pois, acima de tudo uma mudança de mentalidade, um novo estado de espírito, uma emancipação, uma chegada à maioridade, uma afirmação de vontade afinal madura e superior: a plena consciência de um desígnio coletivo, capaz de dar à nação coerência e de lhe dirigir a vida.
Por que meios – mais do que quaisquer outros – se há de tornar realidade esse estado de espírito e essa afirmação de vontade?
Por certo que pelo novo comportamento dos indivíduos em face dos problemas nacionais, afinal sentidos, analisados e esclarecidos, e por cujas soluções radicais ou graduais passarão a lutar com disciplina, esforço e coerência.
Mas, bastará isto? Tão importante, senão mais importante, terá de ser a transformação da escola brasileira, do nível primário ao superior, para fazê-la volver ao próprio país, ao estudo do Brasil, de sua língua, de sua história, de sua cultura e de seus problemas e das soluções que lhes estamos dando ou não lhes estamos dando. E isto é o que não vimos fazendo.
O homem brasileiro é que será o construtor do Brasil. E quem o tem de formar será a escola brasileira. A escola brasileira é que lhe irá ensinar a compreender o Brasil, mostrar-lhe a sua evolução, apresentar-lhe a sua estrutura social em transformação, indicando-lhe os defeitos arcaicos e as qualidades novas em surgimento, dar-lhe consciência dos seus triunfos e dos seus característicos, com exaltação dos aspectos originais e crítica aos defeitos maiores: a insensibilidade, por exemplo, para com a imensa parcela ainda desintegrada da nação – os analfabetos, os miseráveis, a população rural que vegeta por esse imenso país afora; o espírito de aproveitamento, que o estado de pobreza gera em todos que sobem à tona e escapam à desgraça de ser no país apenas povo, a corrupção generalizada que é, mais do que tudo, manifestação de alienação, de que o Brasil não é um bem comum, mas algo antes apropriado por privilegiados e hoje assaltado pelos que conseguem tomar um pouco das mãos de tais privilegiados e ganhar, deste modo, o direito de também explorá-lo em seu próprio benefício.
Se o nacionalismo, concebido em seus aspectos negativos, for a tomada de consciência dos que prejudicam o crescimento da nação, dos inimigos desse desenvolvimento, não há como não descobri-los tanto no interior quanto no exterior. E os inimigos do interior serão todos que explorem e roubem o Brasil, seja pelo ato francamente espoliativo, seja por dificultarem que os seus recursos públicos se apliquem com as prioridades, a eficiência e a justiça indispensáveis, a fim de que se integrem na pátria todos os seus filhos, dentro de um mínimo de igualdade e decência.
A primeira tomada de consciência, pois, será a tomada de consciência de nossa atual pobreza e a austeridade com que nos teremos de conduzir, para apressar essa integração.
Nacionalismo será assim antes de tudo uma aguda consciência de toda e qualquer situação de privilégio, acompanhada do desejo real e profundo de reparar essa situação de privilégio com os sacrifícios necessários para a correção da injustiça.
Como o entendo, o nacionalismo não corresponderá a nenhuma busca de bodes expiatórios no estrangeiro, mas a uma tomada de consciência do nosso atraso, à lúcida percepção de suas causas e à corajosa correção de todas as nossas atitudes, de todos os nossos comportamentos, que, de um ou outro modo, constituem as raízes desse desenvolvimento econômico, político, social e cultural.
Só a escola e uma escola verdadeiramente de estudo e de conhecimento do Brasil poderá mostrar-nos o caminho para esse imenso esforço de emancipação nacional. Tal escola não poderá ser a escola privada, mas a escola pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema missão pública, a de nacionalizar o Brasil.
Referência:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação no Brasil. 2 ed. São Paulo; Brasília: Companhia Editora Nacional; INL, 1976.