ANÍSIO TEIXEIRA E A CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO COMO FENÔMENO DE CARÁTER SIMULTANEAMENTE INDIVIDUAL E SOCIAL

(EDUCAÇÃO: INTERAÇÃO INTELIGENTE)

Por Wanda Pompeu Geribello (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP)
A educação é um fenômeno eminentemente individual, tanto na sua origem como no seu processo, é o ato consciente de contínua adaptação que possibilita ao homem dirigir melhor suas experiências. A educação é individual na sua origem, quando o homem, na reconstrução da experiência, obedece a planos e métodos que lhe são próprios; e no seu processo porque a educação realiza-se através da efetivação e incorporação do pensamento à vida e assim a educação se torna também o processo pelo qual o homem se torna verdadeiramente um indivíduo. Por outras palavras, o homem é uma individualidade à medida que é capaz de reflexão, de pensamento e consequentemente de reconstrução da própria experiência. E para melhor acentuar o processo e a origem personalíssima do exercício do pensamento e da educação, Anísio Teixeira compara-os com o ato eminentemente pessoal e individual da digestão de alimentos. Ninguém pode pensar por ele, ou por ele experimentar, ou educar-se por ele. "Tais processos são personalíssimos e tudo quanto se pode fazer é sugerir, facilitar, dirigir e corrigir". Pela sua própria natureza, o homem tende ao domínio. "Crescer e desenvolver-se é para o homem aumentar em força de compreensão, força de realização e força de expansão". Porém, nenhuma dessas forças torna-se efetiva, se o homem não experimentar antes dirigi-la, coordená-la.
Porém, tudo no indivíduo é eminentemente social: tanto sua ação, como seu pensamento, pois os resultados da educação "se concretizam em instrumentos, em modelos e em fórmulas ou conhecimentos", e objetivam-se no meio social, em "instituições, a que o homem se adapta, pelo processo de reconstrução das próprias experiências". Para Anísio Teixeira, os resultados da educação se traduzem em pensamento, enquanto consciência da experiência refletida, e em experiência, enquanto modo de existência da natureza.
A inteligência individual, integrando-se em suas origens e em seus atos e fins na natureza, emancipa-se do caráter individual e "atua sobre o meio, enriquecendo-o com sentidos ou significados, com hábitos, costumes, instituições, instrumentos, técnicas, que vão constituir um outro mundo de realidades, criadas ou transformadas pela inteligência humana". Assim, a educação volta-se permanentemente sobre si própria, confirmando seu caráter de processo indefinido, confundindo seus meios com os fins, do mesmo modo que a natureza e a vida também os confundem.
A atividade educativa não se processa, portanto, no vácuo, independentemente de objeto ou condições. "Ao contrário, ela é sempre uma resposta a estímulos específicos ou gerais, nascidos do próprio organismo e do meio ambiente em que o indivíduo vive". É esse meio social, que constitui exatamente as condições que promovem ou impedem, estimulam ou inibem as atividades características do organismo humano; e são estas condições que determinam a direção do processo educativo. É o próprio Dewey quem melhor explica os dois modos pelos quais o meio social pode dirigir a atividade: "Por um somos treinados, por outro, educados. O treino nos leva apenas a certa configuração externa com hábitos e práticas de cujo sentido não participamos integralmente: é o primeiro resultado rude e áspero de nosso contato com outras pessoas e com um meio social de convenções e de fórmulas". Portanto, o treino é uma forma preliminar e incompleta de educação. Quanto à educação verdadeira, ela deve ultrapassar essa aquisição de certos modos visíveis e externos de ação, levando o educando a associar-se à experiência comum, "modificando de acordo com ela seu estímulo interno, e sentindo, como próprio, o sucesso ou o fracasso da atividade". E Anísio, confirmando o pensamento de John Dewey, insiste em que "é neste sentido que toda educação é social, sendo como é uma participação, uma conquista de um modo de agir comum. Nada se ensina, nem se aprende, senão através de uma compreensão comum ou de um uso comum".
Acentuar que a educação inclui direção da experiência pelo meio social não significa, para o educador baiano, que haja alguma forma de coerção ou de compulsão. Pelo contrário, a atividade educativa deve ser sempre entendida como uma libertação de forças, tendências e impulsos existentes no indivíduo, e por ele mesmo trabalhados e exercitados e, portanto, dirigidos, porque sem direção eles não se poderiam exercitar. "Em educação a tarefa de direção importa em seleção, focalização e ordenação da resposta à situação, orientando, coordenando e dando continuidade às múltiplas reações do organismo humano. Esse tipo de direção nunca poderá ser puramente externo. O meio ambiente apenas provê as condições. As respostas ou reações têm que nascer de tendências existentes no indivíduo, o qual participa deste modo, profundamente, da direção que tiverem seus atos". A operação normal da influência do meio social no indivíduo é apenas um trabalho de redireção.
A respeito da função individual e social da educação, Anísio considera que no processo educativo o indivíduo e o meio social são dois fatores harmônicos e ajustados. O meio social deve fornecer as condições pelas quais o indivíduo liberta e realiza a própria personalidade. Para o educador, "todas as ideias de oposição entre a sociedade e o indivíduo se originam de concepções isoladas e estáticas da sociedade ou do indivíduo". É que não existe indivíduo sem sociedade, nem esta sem aquele, pois ambos são 'produtos e fatores de uma situação única - vida social', e essa situação é o resultado de uma constante interação de elementos diversos, sendo essencialmente móvel e dinâmica. Portanto, não há nenhum conflito essencial entre as duas realidades - indivíduo e sociedade - "porque elas não são mais que termos de um mesmo processo em constante desenvolvimento". Na concepção de Anísio Teixeira sobre o caráter individual e social da educação, o indivíduo e a sociedade são, pois, simultaneamente produtos e fatores.
O meio social se constitui das condições que facilitam ou dificultam, estimulam ou impedem as atividades do homem, e tais condições determinam o processo educativo, pois este não se desvincula do contexto social. O homem se constitui num dos agentes de transformação do universo, ao elevar o processo de interação e experiência ao nível mental. E nesse estágio, ele transforma as realidades existentes em realidades significativas. A transposição do orgânico/físico para o simbólico, isto é, para o intelectual, resulta do fato de os homens viverem em uma cultura que os leva a integrar no seu comportamento, pela aprendizagem, os costumes e as instituições, significados que são gerais e objetivos. Em razão dos novos elementos culturais, o comportamento humano não é apenas um processo de relações com o meio e com os outros homens, mas de associação com um sistema de significações de sentido e uso comuns.
Referência:
GERIBELLO, Wanda Pompeu. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. São Paulo: Atlas, 1977.



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