POR QUE PRECISAMOS DE UMA EDUCAÇÃO PROGRESSIVA QUE FORME INDIVÍDUOS PENSANTES E COM LIVRE INICIATIVA? O EXEMPLO NORTE-AMERICANO DO MODELO PEDAGÓGICO DE JOHN DEWEY

(Para uma reflexão crítica sobre a qualidade do ensino ofertado no Brasil e os seus reflexos diretos na sociedade)

Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA (Caetité-Bahia, 12 de julho de 1900 - Rio de Janeiro, 11 de março de 1971. Jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro).
O trabalho de classe deve obedecer ao sistema de problema e discussão coletiva. Nada faz lembrar a nossa aula-conferência ou a nossa aula-lição.
A classe deve se reunir para estudar um problema concreto e definido. Não é formal nem acadêmica. A discussão é aberta por qualquer aluno com uma consideração, geralmente pessoal. A princípio, o problema é atacado desordenadamente, por diversos aspectos. Se o professor, porém, percebe nas contribuições espontâneas dos alunos qualquer coisa valiosa, aproveita-se para atrair a atenção da classe para esse ponto.
Se lhe parece útil um auxílio, ele o dá, mas sempre prefere que o trabalho se realize dentro da classe, com os seus elementos.
A princípio, um de nós, com a mentalidade acadêmica e formal que possuímos, estranha e critica o modelo. Não é científico, não é ordenado - era o que eu dizia quando me pus em contato com o processo. Depois, perde-se muito tempo.
Pode ser verdade, mas o que se perde é muito menos do que o que se ganha. O americano compreendeu que só há um meio de pensar, que é o homem se pôr em luta com um problema e procurar resolvê-lo.
Pensamento ou conhecimento recebido passivamente é somente meio-pensamento ou meio-conhecimento. Nós estamos saturados dessa meia-cultura, desse meio-conhecimento. Sabemos tudo pela metade, mais ou menos. Nunca pensamos, por nós mesmos, o problema.
Lemos o que os outros pensaram a respeito. O que se conquista na hora de estudo coletivo, é do estudante, é propriedade sua, foi amassado pela sua inteligência, é pensamento seu.
Será preciso acentuar as vantagens outras desse método, que habitua à exatidão do pensamento publicamente discutido, à hospitalidade com a opinião alheia, ao cuidado de manter julgamentos suspensos, à confiança e à segurança de pensar?
Esse espírito de aula-problema domina hoje a educação americana desde a classe primária até a universidade. É um prazer ver a simplicidade e a segurança com que a criança, ou o estudante de universidade, exprime a sua própria opinião. Muitas vezes tive, em cursos da Universidade de Colúmbia, crianças de 7, de 10 e de 12, 13 anos, em frente à nossa turma, em trabalhos de classe que eram simultaneamente demonstrações para nós.
Pois bem, essas crianças lidavam com seus problemas, com suas lições, como se nós não existíssemos.
Francos, ingênuos, deliciosos de inteligência, às vezes, e sem vislumbre, sem sinal de acanhamento. Em público ou sozinhos, esses meninos participam do mesmo espírito de confiança em si próprios e de segurança que impulsiona toda a civilização americana.
Outras vezes, em classes que visitava, a professora indagava se algum dos alunos tinha alguma pergunta que me fazer sobre o Brasil. Imediatamente, um, dois se levantavam e me punham em voz clara, com frases completas, alguma questão que os interessava a tal respeito.
As classes são requintes de organização moderna e surpreendentemente ricas de toda sorte de material. As carteiras desapareceram e foram substituídas pelas mesas com cadeiras em volta, pelos cavaletes de desenho, pelos aparelhos de armação, material, enfim, para um dia ativo, de estudo de algum problema e de alguma construção.
Um professor do centro-oeste, aqui na América, disse, em um congresso de educação, que, em sua escola, ele "não ensinava aritmética, ensinava crianças".
Ganhou fama o dito, e hoje todos o repetem. Não basta conhecer a matéria, é indispensável conhecer a criança e as leis a que obedece o ato de aprender.
O candidato a futuro professor, então, ao chegar à escola normal, é submetido a um exame, por meio de testes mentais, e se tiver a qualidade de inteligência exigida para o trabalho escolar, será admitido.
Tal exigência representa um esforço atual dos mais adiantados estados da América para elevar o nível intelectual dos estudantes das escolas normais.
Como em toda parte do mundo, também na América não é o aluno mais inteligente que procura ser professor primário. Os colégios com seus diversos bacharelados e depois as universidades atraem os alunos mais capazes.
A complexidade, porém, dos estudos de educação, a elevação das escolas normais à categoria de colégios, a identificação dos professores primários aos professores secundários, inclusive nos salários, e as novas exigências dos requerimentos de admissão são os passos com que, na América, se está procurando tornar o professor primário um fator intelectual de primeira classe.
É inteiramente recente esse movimento para uma preparação mais adequada do professor primário.
REFERÊNCIA:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. Aspectos americanos de educação; Anotações de viagem aos Estados Unidos em 1927. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.



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