POR QUE O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO NÃO CONTRIBUI EFICAZMENTE PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UMA CULTURA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ENTRE A POPULAÇÃO? : AUTORREALIZAÇÃO DO EDUCANDO, QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO E EXERCÍCIO CONSCIENTE DA CIDADANIA
Por Otaíza de Oliveira Romanelli (Faculdade de Educação - Universidade Federal de Minas Gerais)
A autorrealização é um processo sem o qual nenhum ato educativo é possível. A educação, como a cultura, é um processo de humanização do homem. Enquanto processo que leva ao autoconhecimento e ao autodomínio, a educação possibilita, ao mesmo tempo, a autorrealização. Nessa dinâmica, todavia, a autorrealização não resulta de uma conquista fortuita, consequência de um gesto isolado: ela é, antes, o resultado da interação que o homem mantém com o meio que o cerca. Na medida em que percebe o desafio do mundo circunstancial e o aceita, o homem passa a agir, ou melhor, a interagir nesse mundo, gerando um processo dialético, no qual o aprofundamento em si mesmo é, ao mesmo tempo, causa e efeito de sua atuação sobre o meio. Duplo é o resultado dessa interação: autoconhecimento e autodomínio, de um lado, e criação de cultura, do outro. É a isso que chamamos humanização do homem: um processo através do qual ele se torna mais homem, mais humano. E o ato em si é educativo.
Não sendo um gesto gratuito, nem isolado, e só possível pela interação com o meio, através da aceitação dos seus desafios, a autorrealização humana resulta também numa modificação desse meio que a possibilita e, até certo ponto, a condiciona.
Chama-se trabalho não só a interação do homem com o meio, mas também o resultado dessa interação. Da interação do homem com os outros seres humanos resultam as normas de convivência que levam ao exercício da cidadania. O trabalho e a cidadania, portanto, são aspectos externos ao próprio homem que, todavia, condicionam sua autorrealização. Logo, é de sua interação com o mundo que resulta o condicionamento de sua autorrealização. Nesse condicionamento, o homem define e limita a sua liberdade.
A autorrealização, qualificação para o trabalho e exercício consciente da cidadania são essenciais e devem decorrer de uma reflexão profunda sobre a amplitude e o significado do processo educativo. Os problemas que se colocam, quanto aos três aspectos acima mencionados, são decorrentes das condições de sua realização. Essas condições estão, a nosso ver, ligadas a dois grupos de influência: (a) O educando recebe, no ambiente escolar, as influências resultantes do seu relacionamento com o professor e os colegas e da forma como ele gradativamente vai dominando as conquistas culturais que a escola põe ao seu alcance. Assim, pois, ele interagirá tanto mais dinâmica e profundamente com a cultura, quanto mais esta se lhe apresentar sob forma de desafios à sua inteligência. E, ainda, a mesma coisa será possível com relação ao meio social da escola, se este lhe condicionar uma real interação através do diálogo. O diálogo com a cultura e o diálogo com professores e colegas, eis aí as condições ideais de autorrealização do educando que a escola deve oferecer. Só através desse diálogo será possível a conquista, pelo educando, dos seus meios de atuação no mundo material e no mundo social. Nenhuma qualificação para o trabalho ou exercício consciente da cidadania é possível sem essa base dialogal; (b) Como o educando não vive só no meio escolar, decorre daí que os aspectos acima mencionados são dependentes da forma de vida da sociedade em geral, na qual se situa a escola. Em outros termos, assim como é impossível uma qualificação real para o trabalho, numa sociedade que não o promova, nem o dignifique, assim também é impossível uma formação que leve ao exercício consciente da cidadania, num meio social onde não impere a forma de vida democrática. Nesse sentido, ainda que haja remota possibilidade de uma preparação feita pela escola, esta corre o risco de cair no vazio e tornar-se uma fórmula oca de fazer os educandos memorizarem regras de convivência social.
São, portanto, os meios de se alcançarem a autorrealização do educando, a qualificação para o trabalho e o exercício consciente da cidadania que colocam o problema fundamental da educação básica. No que concerne à escola, cumpre-lhe prover-se, de um lado, de conteúdo e métodos que possibilitem, além da cultura geral básica, uma real educação para o trabalho e, de outro lado, de formas de relacionamento humano em que estejam proscritos, de uma vez por todas, seus aspectos autoritários e inibidores. No que diz respeito à sociedade, compete-lhe dar garantias de que não só o trabalho será aproveitado, dignificado e devidamente valorizado, mas também de que a vida social estará fundamentada em princípios igualitários e assegurados os direitos de participação política.
É aqui que vislumbramos os maiores obstáculos à consecução dos três aspectos aqui abordados.
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