Anísio Teixeira era educador "demagogo", "defensor do imperialismo norte-americano no Brasil" e "responsável pela fascistização do ensino"?
(Para uma crítica contundente também à esquerda radical que, assim como a extrema-direita, caracteriza-se pelo radicalismo de ideias, pela carência de autocrítica e autorreflexão, pela incapacidade de formar coalizões em prol da governabilidade e da democracia)
Por Stela Borges de Almeida (Universidade Federal da Bahia) analisando o Jornal de oposição e esquerda radical "O Momento" dos anos 1940 e 1950 em Salvador-Bahia.
"O Sr. Anísio é um bleff como educador" (O MOMENTO, 2 de março de 1950). Anísio Teixeira foi adjetivado de pregoeiro da democracia. Continuavam as críticas: "Tem sido assim volúvel e contraditório na vida pública, como o foi em religião transmudando-se de carola em inimigo da Igreja. E mais adiante, apontavam: Criaram em torno do Sr. Anísio Teixeira uma mística considerando-o inacatável, inexcedível, invulnerável, insubstituível, insuspeito e indispensável" (O MOMENTO, 20 de julho de 1950). "É este o homem pontificado, pelos homens das classes dominantes, como um genial educador. Afinal, não é de se admirar que os gênios das classes dominantes sejam como o Sr. Anísio" (O MOMENTO, 2 de março de 1950).
Este mesmo jornal apresenta um artigo intitulado Sr. Anísio Teixeira e os Centros Educacionais com um pronunciamento extenso sobre o que chama de uma obra demagógica que pretende a fascistização do ensino, referindo-se ao Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Essas críticas de teor político-ideológico refletem a discordância do postulado básico defendido por Anísio Teixeira de que a educação é condição necessária para a democracia, e de que a revolução social se faz pela vida educacional.
Referindo-se ao discurso pronunciado por Anísio Teixeira, quando da inauguração do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, diz o jornal: "... com fraseologia requintada de pseudointelectual e volteios de colibri sobre as questões sociais, esclarece o Sr. Anísio Teixeira uma preocupação e seus medos ante o avanço de revolta das grandes massas brasileiras contra o governo, as classes dominantes das quais ele é uma espécie de Peter Pan" (O MOMENTO, 8 de outubro de 1950).
Segundo o jornal, "as molas mestras defendidas por Anísio Teixeira - o Estado, a Igreja, a Família e a Escola - são os pilares da dominação de classe, e que ele é um representante da classe dominante, defendendo seus interesses, ... é a defesa de um regime que aniquila o povo brasileiro, aliena a soberania do Brasil, e nos coloca ante os demais países e povos na posição de pré-países da civilização. É o regime do latifúndio, dos grandes tubarões capitalistas, dos grandes agentes do imperialismo norte-americano. É o regime, afinal, que tenta nos conduzir à guerra, regime do terror policial, dos mais hediondos crimes responsáveis pelo analfabetismo organizado das grandes massas brasileiras e pelo aumento, também organizado do índice de mortalidade infantil. É para a defesa deste regime feudal burguês, títere do imperialismo norte-americano, é para a defesa deste regime criminoso que o Sr. Anísio Teixeira constrói os Centros Educacionais" (O MOMENTO, 8 de outubro de 1950).
Uma escola a serviço do capitalismo ou preparando os jovens para o fascismo, uma escola projetada e construída por representante da classe dirigente para reproduzir os seus interesses de classe, com objetivo de mascarar a realidade social do Brasil e levar a juventude a ilusões nas classes dominantes, no seu governo, nos seus homens. Como assim podiam ver O MOMENTO e o seu teor político-ideológico a obra e o pensamento de Anísio Teixeira?"
Observando-se certas práticas sociais e determinadas culturas políticas na sociedade brasileira contemporânea, pode-se chegar a dois pontos de vista: (1) Uma parcela considerável das pessoas no campo político brasileiro (não todas, para que não se diga que se está generalizando ou sendo simplista na análise - seja de esquerda ou de direita - não estão preparadas para receberem críticas. Estas quase sempre são compreendidas apenas como destrutivas, embora nem sempre tenham esta conotação. Daí certos discursos do tipo a imprensa A é corrompida, a imprensa B é vendida, a imprensa C é antipatriota e por aí vai. O que se quer dizer? Vivemos parecer em um eterno cenário de conspiração que visa destruir ou derrubar governos, sejam de direita ou de esquerda. Resultado: prevalece-se os radicalismos, a incapacidade de se receber críticas - ainda que sejam construtivas e em benefício de uma ação política de governo ou de um projeto maior de Estado -, e a obscuridade mental de uma autorreflexão crítica. (2) Quem não está no poder acha muito fácil ser pedra, mas considera insuportável ser vidraça. Ou em outros termos, faça o que eu digo quando estou na oposição, mas não faça o que eu disse quando passo para o poder. Vide os discursos sobre corrupção, negociações políticas em prol de governabilidade e implementação de ações governamentais pensadas a médio e longo prazo - independentemente de qual cunho ideológico tenha o partido que está ou não no poder.
A extrema-direita atualmente é incapaz de fazer uma mea culpa e enxergar todos os erros que cometeu na sua gestão fracassada, sobretudo nos campos da saúde (vide combate à Covid-19) e economia (retomada do crescimento, controle da inflação, geração de empregos, estímulos a investimentos, etc.) e uma parcela radical de esquerda é intransigente, não faz uma autocrítica sobre equívocos sobre gestões passadas (como por exemplo, a compra da Refinaria de Pasadina nos EUA que trouxe sérios prejuízos financeiros para a Petrobrás, a expansão indiscriminada de cursos superiores, sobretudo de instituições de ensino privada, sem o devido acompanhamento da qualidade do ensino ofertado, os erros estratégicos de alianças com partidos e lideranças políticas do denominado "centrão", cujos comportamentos e atitudes são, no mínimo questionáveis, em nome de uma permanência a qualquer custo no poder, etc.) e não demonstrar capacidade de diálogo para um consenso e a formação de uma coalização democrática para pôr fim definitivamente ao extremismo de direita.
Quando sobra incapacidade de autocrítica, radicalismos e cegueira sobre possíveis aprendizados com os erros do passado para a elaboração de novas estratégias e projetos políticos para o país, é impossível se pensar em diálogo, alianças políticas e soluções efetivamente democráticas para os problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Para se chegar a tais conclusões, basta analisar e raciocinar um pouco a respeito dos comportamentos e das manifestações políticas nas redes sociais tanto por parte de apoiadores da extrema direita como por uma parcela da esquerda radical que até o momento não propõe uma alternativa real e um projeto viável. São os radicalismos, as incompreensões e a falta de uma visão mais ampla sobre a realidade que impedem a busca de projetos de Estado a médio e longo prazo para os problemas estruturais - e talvez eternos deste país - e que parecem demonstrar que a história nacional eternamente repete as mesmas narrativas e equívocos do passado. Assim, é difícil pensar na possibilidade concreta de um regime democrático efetivamente consolidado um dia no Brasil.