QUAL UNIVERSIDADE DESEJAMOS PARA O BRASIL?: ANÍSIO TEIXEIRA, O REITOR DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
(Para reflexão sobre o ensino superior)
Por Hermano Gouveia Neto
Dezembro de 1961 assinala dois importantes acontecimentos na vida educacional brasileira: a criação da Universidade de Brasília e a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. De acordo com a Lei nº 3.998, de 15 de dezembro de 1961, a que criou a Universidade de Brasília, foi constituído o Conselho Diretor, composto dos Professores: Anísio Teixeira, Hermes Lima, Abgar Renault, Darcy Ribeiro, Osvaldo Trigueiro e Pe. Matheus Rocha.
A solenidade de posse do Conselho Diretor foi presidida pelo Primeiro-Ministro Tancredo Neves, e Anísio Teixeira foi o orador oficial, em nome dos Conselheiros:
"Queremos que a Universidade de Brasília não seja apenas a vigésima oitava universidade do Brasil. Queremos que ela concretize uma mudança real e seja um instrumento de promoção, de cultura e de soluções de problemas, voltado para o meio social exterior. Nossos planos são para que ela se identifique com as aspirações de evolução do País e contribua para que suas finalidades sejam alcançadas. Pretendemos superar as resistências das nossas universidades formuladas nos moldes antigos, voltadas para si mesmas, mais do que para a nação, preocupadas mais com o seu papel de guardiãs da cultura do que com a necessidade do progresso e desenvolvimento da sociedade".
O primeiro Reitor, eleito pelo Conselho Diretor, foi o Prof. Darcy Ribeiro, que mais tarde se afastaria para assumir o cargo de Ministro da Educação, em substituição ao deputado Antônio de Oliveira Brito. Anísio é escolhido para substituí-lo na Reitoria da Universidade de Brasília.
(1) O Reitor Anísio Teixeira:
Anísio Teixeira foi Reitor da Universidade de Brasília na fase de implantação e sua administração foi relativamente rápida. Contudo, vale salientar que ele participou ativamente da elaboração dos planos de organização, oferecendo o melhor da sua experiência - desde quando Reitor da Universidade do Distrito Federal, que apesar da sua efêmera existência ainda hoje é lembrada pelos estudiosos da nossa vida universitária.
Depondo a respeito de Anísio, na Universidade de Brasília, a Prof.ª Zahydeé Machado Neto, da Universidade Federal da Bahia, faz as seguintes afirmações:
"Para um homem acima de tudo movido a ideias, as tarefas administrativas representavam um fardo que ele carregou por força das circunstâncias. E nos meses de sua reitoria, a universidade se fazendo em gente, pedra, tijolos, elas foram muito grandes. Ele as enfrentava, mas só agora eu entendo os longos prefácios das nossas reuniões de planejamento da Faculdade de Educação. Ao mesmo tempo em que a Universidade se construía, com professores, máquinas, cimento, livros, operários, currículos, cursos, aulas, pesquisas, ele continuamente pensava e repensava as bases teóricas sobre as quais montávamos a estrutura, bases que em grande parte vinham saindo de sua cabeça durante quase trinta anos. A Universidade de Brasília estava sendo criada a partir de uma posição de alta relevância estratégica para o desenvolvimento nacional: a ênfase nas ciências naturais e nas matemáticas. Era preciso fazer ciência no Brasil, trazer do exterior muitas das nossas melhores cabeças científicas que por força da estrutura arcaica de nossas universidades não tinham condições de fazer ciência aqui, porque não queriam ficar limitadas à mera repetição daquilo que, no máximo, estaria nos livros".
(2) A Universidade de Brasília e o melhor de Anísio Teixeira:
A Universidade de Brasília recebeu o melhor de Anísio Teixeira, desde a sua organização. Ela, sem dúvida alguma, significou o primeiro grande passo para a reforma da universidade brasileira que se iniciaria mais tarde. Muitas ideias nascidas com a criação, em 1962, da Universidade de Brasília, frutificariam e se desenvolveriam em muitas outras Universidades.
Anísio Teixeira era presença obrigatória nesse momento importante da educação brasileira, ele que nos idos de 1935 sonhara com a implantação de uma grande universidade, a do Rio de Janeiro. Ademais, o grupo de professores, empenhado na criação da Universidade de Brasília, não dispensaria a participação do velho mestre, cuja visão em torno dos problemas de ensino superior era das mais avançadas. Nessa área da nossa educação - como em tantas outras - foi também um pioneiro, sempre pensando além do seu tempo.
(3) A importância de um depoimento:
Em 1968, no dia 8 de maio, compareceu Anísio Teixeira à Câmara dos Deputados e perante a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a estudar a estruturação do ensino superior no Brasil prestou importante depoimento. Nesse seu depoimento, depois publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, sob o título de "Uma perspectiva da Educação Superior no Brasil", faz referências à Universidade de Brasília, cujo trecho destacamos a seguir:
"... Se me permitem, darei o exemplo do que vai ser a transformação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para se compreender a complexidade e o radicalismo da transformação projetada. Depois, apresentarei as minhas dúvidas sobre a exequibilidade dessa reforma. Creio que alguns dos Srs. Deputados já estão familiarizados com estes dois Decretos-Leis n.º 53 e 252, os quais reproduzem a organização que fora imaginada para a Universidade de Brasília. É interessante observar que a lei que organizou a Universidade de Brasília e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional são quase da mesma semana. Realmente, são do mesmo mês, do último mês de 1961. Uma era timorata, cuidadosa. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional abre certas oportunidades de reforma muito modestas. A da Universidade de Brasília, pelo contrário, era bastante radical. Pessoalmente só a julgava exequível porque iria partir do marco zero. Não é que julgue mais fácil criar uma escola nova do que ampliar uma escola antiga. É que, na minha opinião pessoal, a Universidade de Brasília, cujo projeto representou um curioso consenso do magistério superior mais avançado do Brasil, somente seria viável se começasse como um centro de estudos superiores, de onde nascesse uma escola de pós-graduação. Mas, a pressão do aluno local de Brasília levou à implantação imediata da Universidade. Perdeu-se, assim, a oportunidade de fazer com que a Universidade de Brasília reproduzisse, 160 anos depois, a experiência de Humboldt na Alemanha do princípio do século XIX. Não deixa de ser curioso que se tenham votado duas leis, quase que ao mesmo tempo, de tendências tão contrastantes como as da Lei de Diretrizes e Bases e as da Lei de fundação da Universidade de Brasília. Seis anos depois, o atual Governo incorpora os dispositivos da lei que criou a Universidade de Brasília a todas as universidades federais".
Vale a pena registrar a razão por que o velho mestre declarou "ter dúvida sobre a exequibilidade da pretendida reforma". Afirmou ele, no seu significativo depoimento, em 1968, na Câmara dos Deputados:
"Minha dúvida sobre a exequibilidade de tão radical medida, assenta no fato de que a reforma requer mudança profunda, tanto do professor quanto do aluno, mudança que não se pode fazer nas universidades já existentes. Para a reforma de uma universidade já constituída e cujo professorado não se possa remover, a reforma tem de ser gradual e por setores, não se podendo operar a mudança global subitamente".
Tinha toda razão Anísio Teixeira.
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