A FARSA DA VERSÃO "OFICIAL" DA DITADURA SOBRE A MORTE DE ANÍSIO TEIXEIRA: POR QUE INTERESSAVA AO REGIME MILITAR O ASSASSINATO DO EDUCADOR PATRONO DO ENSINO PÚBLICO?
(Fatos históricos sobre o regime militar no Brasil de 1964 a 1985 que não devem ser esquecidos)
Por João Augusto de Lima Rocha (Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia-UFBA)
A obra de João Augusto de Lima Rocha intitulada "Breve história da vida e morte de Anísio Teixeira – Desmontada a farsa da queda no fosso do elevador" objetiva demonstrar que o educador Anísio Teixeira não morreu em consequência de um acidente. O autor defende, de forma precisa e minuciosa, que a causa da morte não foi uma queda em fosso de elevador, como divulgado oficialmente, e que é muito provável a hipótese de ele ter sido assassinado por razões políticas. Além de justificar o porquê de a ditadura militar desejar eliminar uma pessoa como Anísio Teixeira, o livro ainda analisa a obra do educador baiano, revelando ser, apesar de breve, uma importante biografia.
Em 11 de março de 1971, Anísio Teixeira passou boa parte da manhã na Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Praia do Botafogo, no Rio de Janeiro. Joaquim Faria de Góes Sobrinho, amigo e colaborador de Anísio, colega de trabalho, soube da visita que ele faria ao apartamento de Aurélio Buarque de Holanda, situado na Praia do Botafogo, 48, edifício Duque de Caxias. Sugeriu-lhe fosse a pé. De carro, teria de dar muitas voltas. Anísio saiu antes das 11 horas em direção ao apartamento de Aurélio Buarque de Holanda, aceitando recomendação de Sobrinho. Almoçaria com ele, e pediria voto: era candidato a membro da Academia Brasileira de Letras. Depois desse almoço, iria para a Editora Civilização Brasileira, na Glória, Rua Benjamin Constant. Ali, trabalhava como consultor. Anísio tinha uma rotina relativamente rigorosa. Chegava da Civilização Brasileira entre 18:30 e 19 horas.
Neste dia 11, um pouco antes das 20 horas, a mulher de Anísio, Emília Ferreira Teixeira, liga para a filha Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros, preocupada: nada de Anísio chegar. A filha tranquilizou-a: o pai poderia ter saído com o embaixador Paulo Carneiro, seu amigo e um dos articuladores de sua candidatura à Academia. Carneiro era representante do Brasil na UNESCO, em Paris, em visita ao Brasil naquele momento. Mas, o tempo passava, e nada de Anísio. Logo, o apartamento, à Rua Raul Pompéia, 58, apartamento 803, em Copacabana, começou a se encher de parentes e amigos. Começa uma via-crucis: delegacia de polícia de Copacabana, onde não havia qualquer notícia; não estivera na Editora Civilização Brasileira. Terminaram o dia no Hospital Miguel Couto, onde também não havia sinal dele. Dia seguinte: não estivera também no edifício de Aurélio Buarque de Holanda. Tudo muito estranho, a família em polvorosa. E mais angustiado ficaram todos quando o jornalista Artur da Távola, genro de Anísio, informa que o acadêmico Abgar Renault soubera do comandante do I Exército, Sizeno Sarmento, que Anísio Teixeira estava 'detido para averiguações' em dependências da Aeronáutica.
No dia 13, jornais noticiam o desaparecimento do educador. E às 17 horas, Anna Christina recebe um telefonema: "aqui é da polícia...". Ela passa o telefone para Lúcio Abreu, amigo da família. O educador fora encontrado morto, nas palavras da polícia, no fosso do elevador do edifício onde residia Aurélio Buarque de Holanda.
O cadáver de Anísio Teixeira foi levado ao Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro (IML/RJ) e identificado inicialmente com o nome de João Carlos de Freitas Raulino, oficial da Marinha que cometera suicídio nas imediações do mesmo prédio.45 Ao chegar ao IML, familiares e amigos tomaram conhecimento de que o corpo de Anísio fora retirado do fosso do elevador por um rabecão da instituição, sem que fosse realizada perícia técnica.46 Na necropsia estiveram presentes Afrânio Coutinho, Haroldo Lima e os médicos, professores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Domingos de Paula e Francisco Duarte Guimarães Neto. Conforme seus relatos, havia duas lesões traumáticas no crânio e na região supraclavicular, que seriam incompatíveis com a queda. Por isso, "admitiu-se que um eventual instrumento cilíndrico, provavelmente de madeira, teria causado as lesões". Haroldo Lima conta que, ao sair da sala de autópsia, o médico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Francisco Duarte Guimarães disse a Mário Celso, genro do educador: Mário, tio Anísio foi assassinado. O procedimento foi interrompido com a entrada de dois funcionários da polícia, que vinham do local de onde fora retirado o corpo e afirmaram de forma categórica que se tratava de um acidente que ocorrera por queda no fosso do elevador. A certidão de óbito determinou como causa da morte "fratura do crânio, com destruição parcial do encéfalo".
Familiares e amigos nunca aceitaram tal versão. Ao promover uma investigação por conta própria, a família descobriu várias inconsistências na versão oficial. Descobrimos que o laudo policial havia desaparecido.
Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade se encontrou com amigos e familiares do educador, e os questionamentos sobre as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira aumentaram. Em 6 de setembro daquele ano, Carlos Teixeira, filho de Anísio, entregou documentos à CNV. A investigação avançou, mas não foi concluída até o fim das atividades da Comissão, que entregou o seu relatório em 10 de dezembro de 2014. No Auto de Exame Cadavérico, recuperado, os dois médicos legistas que o assinaram estabelecem que a morte se deu em 12 de março, mas não são conclusivos sobre a causa ter sido acidental.
Anísio Teixeira, que ocupou vários cargos na área da educação, foi reitor da Universidade de Brasília (UnB) de 19 de junho de 1963 a 13 de abril de 1964, 12 dias após o golpe e quatro dias depois que a UnB foi cercada e invadida pela repressão. Entrou no lugar do antropólogo Darcy Ribeiro.
Nos anos 1950, ele havia assumido a direção do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), criando o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Ainda antes, em 1946, foi conselheiro da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Sempre foi ferrenho defensor do ensino público. Anísio consolidou a conexão entre educação pública e democracia, de maneira apropriada à evolução política e social do Brasil, em duas de suas mais importantes obras, a saber, Educação não é privilégio (1957) e Educação é um direito (1968).
A obra de Anísio Teixeira é inovadora, em todos os campos da educação brasileira e da cultura internacional (ele participou da comissão que concebeu e instalou a UNESCO), desde 1924 até 1971. Foi o criador da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), dinamizador do INEP e o construtor das inovadoras Universidades do Distrito Federal (Rio de Janeiro, 1935) e de Brasília (1962). Para Florestan Fernandes, em depoimento que me deu em 1991, Anísio foi o "primeiro e único filósofo da educação no Brasil".
Anísio foi um liberal avançado que se dedicou, durante toda a vida, à luta pela escola pública, universal e gratuita, na esperança de que isso servisse à construção e consolidação de um Brasil democrático. Mas ele não escapou da pecha de comunista por conta de sua dedicação à luta pela extensão de um direito elementar a todos os cidadãos, embora nunca tivesse, por opção de vida, qualquer participação na política partidária. O oposto a liberal, naquele tempo, era conservador, e Anísio era um pensador avançado, que colocava em prática suas ideias a favor da responsabilização do Estado pelo direito universal à educação. A Igreja, que detinha a maior parte das escolas privadas, cerrou fileiras contra o educador, em pleno período da Guerra Fria. Daí o epíteto de comunista foi logo colado nele.
Paulo Freire é cria de Anísio Teixeira. Anísio foi quem concebeu, e também foi encarregado de colocar em execução o 1º Plano Nacional de Educação, que começou a ser posto em prática em 1963, tendo tudo se interrompido em 1º de abril de 1964. As duas prioridades do Plano eram: (1) Generalizar a escola de dois turnos para todo o Brasil, tendo o Plano Escolar de Brasília como piloto; e (2) Campanha intensiva de alfabetização de jovens e adultos. Os recursos para o trabalho de Paulo Freire nasceram dessa decisão. Os dois educadores eram muito ligados. Paulo Freire fez uma brilhante carreira internacional, e Anísio foi aposentado compulsoriamente do serviço público, em 1964. Submetido a vários IPMs (Inquéritos Policiais Militares), nos quais nada se comprovou contra ele. Anísio desapareceu em 1971, no auge da capacidade criativa.
A capacidade de Anísio de colocar em prática suas ideias democráticas no campo da educação fez com que fosse perseguido durante toda a vida pelos conservadores, desde 1928. Mas uma coisa pode ter agravado tudo: a decisão dele de concorrer à Academia Brasileira de Letras, em 1971, com a perspectiva de se colocar à disposição do movimento pela redemocratização do país, dada sua grande capacidade intelectual, a ser salvaguardado pela condição de Imortal da Academia.
Segundo me revelou Afrânio Coutinho, seu amigo e um dos responsáveis por convencê-lo a concorrer à Academia Brasileira de Letras, Anísio deve ter sido sequestrado no trajeto que intentou fazer a pé, no final da manhã de 11 de março de 1971. Teria sido levado para uma instalação da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, onde teria sido interrogado, entre 11 e 12 de março e 1971. Local de onde nunca mais retornou vivo.