CADA UM DE NÓS PODE SER UM CAVALEIRO DA ESPERANÇA...

Por JORGE ESCHRIQUI
Fiquei em uma eterna peregrinação entre abril de 2022 e maio de 2023 em busca de um algum médico que encontrasse o diagnóstico e o tratamento adequado para a minha enfermidade. Pediam vários exames, prescreviam vários medicamentos (inclusive corticoides que trouxeram apenas malefícios, inclusive problemas de circulação do sangue entre as duas pernas e o restante do corpo identificados através de um ecodoppler solicitado por uma angiologista). Em maio de 2023 encontrei o médico principal que me acompanha até hoje. Mais uma bateria de exames de sangue, alguns caríssimos que o plano de saúde não cobria e que tivemos que ratear os custos na casa dos familiares em Brasília.
Com um ano de atraso, veio o diagnóstico. Foi um choque inicial e sensação de desespero. Quais as chances de cura? Pequenas, mas existem. Enfermidade rara em fase de pesquisas ainda, inclusive por uma equipe de médicos pesquisadores do Hospital das Clínicas da USP em São Paulo que inclusive dão o suporte para o meu médico principal me tratar corretamente. A cada dia que atravessava aquele corredor do hospital, um a menos na luta. Uns caíram em combate por causa do alto custo dos medicamentos. Alguns porque o organismo não suportou e padeceu diante do avanço da enfermidade. E outros porque simplesmente decidiram infelizmente acelerar o processo e deram cabo em suas próprias vidas - e não julgo, pois não é fácil mesmo. Muito fácil dizer que é falta de Deus quando a pessoa começa a ficar feia, deformada, calva, sendo alvo de olhares de espanto, curiosidade ou medo nas ruas e a ver os seus patrimônios acumulados às vezes com tanto sacrifício sumirem para bancarem medicamentos e tratamentos caríssimos.
Somente quem passa pela situação para saber e sentir o quanto é complicado ver a vida passar para os outros e a sua ficar estancada. É o sofrimento físico, emocional e mental constante. Um dias atrás (nem me lembro quando, pois às vezes parece que todos os dias são iguais nestes três anos) o médico principal em uma consulta de rotina olhou para mim e disse: "É Jorge, às vezes ser cabeça dura, teimoso e persistente não é defeito, mas qualidade. Já observou o tanto de gente que começou mais ou menos em sua época e perdeu a batalha? Você com a sua teimosia, nervosismo, persistência e espírito que parece de um soldado em uma guerra, resmunga, xinga, mas parte para cima do plano de saúde com o seu tio padrinho na justiça e termina conseguindo todo o que quer, custe o que custar. Quantas internações, quantas unidades de tratamento intensivo, quantos tratamentos de infusão dolorosos, mas você está aqui. Eu mesmo achei que você também tombaria. Mas está aguentando e aos poucos parecendo reagir aos tratamentos e sendo alvo inclusive de curiosidade dos médicos pesquisadores da USP com quem me comunico regularmente".
E eu respondi: "É doutor, mas carrego sequelas ou limitações por causa deste tratamento, não é? Perdi temporária ou permanentemente (só o tempo dirá) dez por cento da audição do ouvido direito, estou 20 quilos acima do meu peso normal, a imunidade ainda é frágil diante de qualquer virose que para os outros é algo tranquilo de se curar, a minha cabeça está com pouquíssimo cabelo, sinto cansaço com qualquer caminhada mínima de 100 metros e fico buscando ar como se tivesse asma sem possuir, a tristeza e a melancolia de um passado distante pesam na consciência e fico buscando razões como carma ou castigo por algumas atitudes do passado e só vivo um dia de cada vez". O médico imediatamente retrucou: "Jorge, no tempo da ditadura, eu fui um estudante de Medicina que tinha um grupinho de colegas e amigos em São Paulo, inclusive estrangeiros como bolivianos, costarriquenhos e salvadorenhos, e escutávamos músicas como "Gracias a la vida" de Violeta Parra e debatíamos escondidos em casa sobre o fim do regime militar e a necessidade da volta da democracia. Só não sabíamos que, entre nós, havia um infiltrado a mando do SNI para nos dedurar. Ficamos três dias trancados dentro de casa com viaturas da polícia - aquelas Veraneios antigas, sabe? - nos cercando com as sirenes ligadas e luzes vermelhas acessas direto. Ao final do terceiro dia, em um descuido deles à noite, conseguimos sair da casa e nos refugiamos na casa de outros amigos. Eu não poderia abandonar o curso de Medicina e fui por vários meses para a faculdade de agasalho e com capuz cobrindo a cabeça o rosto até à porta da sala de aula independentemente que estivesse calor ou frio. E sobrevivi para ver a Anistia, as Diretas Já e a queda do regime autoritário. Olha que nunca fui um guerrilheiro e nem fui na rua em passeatas combater a ditadura. Porém, senti-me parte de tudo o que resultou na queda na volta da democracia. Por que estou lhe contando isto? Você não se diz um intelectual de esquerda, contra a extrema direita e defensor da democracia liberal? Você acha que esta doença não deixa de ser uma batalha tão árdua como daqueles que no passado lutaram, tombaram ou venceram a ditadura? Que tal honrar o legado deles?"
E o médico continuou: "Você não precisa pegar em armas para mudar o mundo, não precisa ir em passeatas - até porque a sua saúde não possibilita - e nem estar ativo em eventos acadêmicos - o tratamento toma quase o seu tempo integralmente e não pode ir presencialmente neles por causa da baixa imunidade -, mas pode usar todo o seu potencial como escritor, homem dotado de sabedoria de vida e conhecimento acadêmico, consciente politicamente e o seu espírito de luta para preencher a sua existência, dar sentido à sua vida, torná-lo útil para a sociedade novamente e vencer psicologicamente esta doença". "E o que o doutor sugere?", retruquei. "Divulgue as suas ideias, pensamentos, engaje outras pessoas nas suas causas por um país melhor, sinta-me importante para o mundo independentemente das suas limitações neste momento. Utilize blog e redes sociais para espalhar o bem, mobilizar pessoas para pensarem e transformarem a realidade e faça-se novamente lembrar para não ser esquecido. Somente em ser um dos poucos que ainda está em pé já o torna um guerreiro e vencedor. Mas você pode fazer mais. Você pode levar extrapolar este seu espírito guerreiro na luta contra o plano de saúde e a enfermidade para além. Incluía este espírito em sua carreira pessoal e atuação como intelectual e cidadão. Inspire-se em alguém que marcou ou marca a sua vida. Qual personagem da história você acha inspirador?"
Parei, meditei um pouco e respondi: "Não me julgue negativamente por causa da resposta que lhe direi, doutor. Sei que ninguém é perfeito, todo mundo tem algum defeito. Mas quando penso em hombridade, caráter, fidelidade aos seus ideais, honestidade e espírito altruísta, me vem à mente o nome de Luís Carlos Prestes". O médico então me questionou: "Aquele que morreu velhinho, era do partido comunista e ficou conhecido como cavaleiro da esperança, certo?". Eu disse: "Sim, doutor". E na tréplica ele me afirmou: "Jorge, sendo paciente e tendo consciência da importância da sua autoestima para a sua cura, não estou aqui para julgá-lo por suas opções políticas, embora eu seja no máximo de centro esquerda. Porém, se o Prestes lhe inspira, seja você um novo cavaleiro da esperança. Esperança em quê? Em dias melhores para você, para a sua família e o país. Sonhe com isto se lhe faz bem e não pare de sonhar. Sonhos dão sentido às nossas vidas. Seja este modelo de ser humano que tanto elogia no velhinho comunista. É só o que posso lhe dizer".
Encerramos a consulta, estendi-lhe a mão e saí daquele consultório pensando: "Será? Um novo cavaleiro da esperança? Mas ao invés de percorrendo o país inteiro a cavalo, atuando ativamente na política, sendo exilado, etc., eu só com a internet e o pouco que sei posso ser um cavaleiro da esperança? Talvez... Percorrendo esta internet e levando palavras de encorajamento, engajamento, denúncia das injustiças e desigualdades e fazendo da minha luta contra uma doença séria um exemplo a ser seguido... Por que não?".
Chegando em casa à noite com o meu tio padrinho após mais um dia de tratamento, banhei-me, jantei, tomei os meus medicamentos diários e pesquisei sobre "cavaleiro da esperança". Para a minha surpresa, deparei-me como uma letra de canção linda composta por Taiguara que possui exatamente este nome. Além disso, a minha mãe sempre diz: "Você nasceu no dia 23 de abril com duas voltas em torno do pescoço, prematuro e sobreviveu. Honre o seu nome, Jorge".
A música do Taiguara inspirou-me desde então e espero que inspire outras pessoas também...
O CAVALEIRO DA ESPERANÇA
Por TAIGUARA
"Quem só espera não alcança
Mas quem não sabe esperar
erra demais, feito criança
Cai, e até se entrega ou trai,
se cansa de lutar.
O Cavaleiro da Esperança
faz a hora acontecer
Faz punho armado
Faz pujança
Mas combate pela paz
pro povo não morrer.
Pois Ogum Guerreiro não morre
prestes a encontrar
uma estrela d'alva para nos guiar.
É soldado alerta, é São Jorge
prestes a enfrentar
o dragão do mal
que quer nos matar".




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