QUAL É A COMPATIBILIDADE ENTRE SOCIALISMO E DEMOCRACIA?

Por JORGE ESCHRIQUI
Norberto Bobbio comenta em "Qual Socialismo?: discussão de uma alternativa" sobre a impossibilidade da existência de um socialismo sem democracia, ou seja, o autor vê na via democrática uma forma mais real para a implantação do socialismo. Ele critica a ideia de alguns marxistas que percebem na democracia uma forma de dominação da burguesia, afirmando que, assim, eles estão contribuindo para o capitalismo.
A maior possibilidade da implantação do socialismo por via democrática é também compartilhada por Carlos Nelson Coutinho em "Democracia e Socialismo" devido, de um lado, à abertura de um maior espaço político e, de outro, às mudanças na forma da acumulação capitalista.
Na época do Manifesto do Partido Comunista, ou seja, do protocapitalismo, a acumulação esteve mais baseada na mais-valia absoluta do que na mais-valia relativa, isto é, mais na exploração da jornada de trabalho e em baixos salários do que em um aumento da produtividade, o que gerava uma baixa socialização política, obrigando o proletariado a somente ter uma alternativa de conseguir espaço político: tomando de assalto o Estado. Todavia, principalmente ao longo do século XX, a acumulação passou a ser mais baseada em uma acumulação relativa, ou seja, no crescimento da produtividade, o que aumentou os salários e os lucros, possibilitando negociações e conquistas das demandas das massas populares dentro de uma economia capitalista sobre controle de um Estado burguês.
Compete, porém, indagar se o processo de implantação do socialismo por via democrática acaba por destituir tal movimento do seu caráter autenticamente revolucionário. De acordo com a análise de autores como Henry Lefebvre e Francisco Weffort, a resposta é não. Henry Lefebvre em "Sociologia de Marx" percebe três formas de revolução socialista: (1) a maioria do povo organizando-se e chegando ao poder por via democrática; (2) a maioria do povo organizando-se e tomando o poder por assalto com o uso de violência; e (3) uma minoria do povo organizando-se e lutando contra o poder das classes dominantes e, por causa do seu esforço, adquirindo a posteriori o apoio do restante do povo. É importante observar que, nesse sentido, povo não é a classe proletária simplesmente, mas todos aqueles que têm consciência da situação dessa classe, indiferentemente das posses.
Francisco Weffort em "Por que democracia?" afirma que para a consolidação da democracia é preciso que se abandone certos preconceitos como o de ver o socialismo como um regime autoritário eterno, pois os perigos que ameaçam a democracia em uma sociedade capitalista são os mesmos que ameaçam o processo democrático em uma sociedade socialista. A democracia pode apresentar perfeitamente um caráter revolucionário desde que seja um elemento de transformação de uma sociedade excludente e que consolide os ideais de liberdade, igualdade e comunidade. O processo de implantação do socialismo por via democrática pode ser concebido de duas formas: (1) reformas, como propõe Carlos Nelson Coutinho, em uma síntese entre a conservação do pluralismo e a predominância da vontade geral em que vários grupos enviariam as suas demandas para um parlamento que decidiria quais delas melhor representariam o interesse geral; e (2) dialética das contradições em que o esgotamento dos mercados levaria ao não consumo da produção, obrigando os burgueses a entrarem em acordo com a massa popular.
O que se pode deduzir de mais relevante deste debate é que o pensamento marxismo ocidental está adquirindo a consciência da necessidade de renovação, isto é, observa-se o engrandecimento de uma perspectiva de continuidade crítica. Como diz Norberto Bobbio, tal aspecto é fundamental para o renascimento e a existência do marxismo ocidental. Afinal, se o tempo não para, por que o pensamento marxista deve parar?
A democracia é perfeitamente compatível com o socialismo e o seu caráter revolucionário na medida em que tem a sua origem, como afirma Francisco Weffort, não a partir de um simples reflexo de exigências inelutáveis na história, mas de vontades políticas conscientes. Daí a importância de se buscar uma explicação constante para a existência da democracia, tornando-a, dessa maneira, possível.
Referências:
BOBBIO, Norberto. Qual socialismo?: discussão de uma alternativa. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
COUTINHO, Carlos Nelson. Democracia e socialismo. São Paulo: Cortez, 1992.
LEFEBVRE, Henri. Sociologia de Marx. Rio de Janeiro; São Paulo: Forense, 1991.
WEFFORT, Francisco. Por que democracia? 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.






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