A EDUCAÇÃO É A PAIXÃO QUE QUEIMA DENTRO DE MIM – POR UMA EDUCAÇÃO ROMÂNTICA
Por RUBEM Azevedo ALVES (Boa Esperança-MG, 1933–Campinas-SP, 2014. Psicanalista, educador e escritor brasileiro)
A educação é a paixão que queima dentro de mim. E, no entanto, olho para as escolas com desconfiança... A escola é o lugar onde as crianças são deformadas. Estremeço quando me dizem que há entrevistadores de televisão e de jornais à minha espera. Sei, de antemão, a primeira pergunta que vão me fazer: "O que é que o senhor acha da educação no Brasil?" A pergunta é banal porque eles já esperam uma resposta estereotipada. Querem que eu denuncie a falta de verbas, a condição de indigência dos professores, o mau aproveitamento dos alunos etc. Mas isso, todo mundo já sabe. É um equívoco pensar que com mais verbas a educação ficará melhor, que os alunos aprenderão mais, que os professores ficarão mais felizes. Como é um equívoco pensar que, com panelas novas e caras, o mau cozinheiro fará comida boa.
Educação não se faz com dinheiro. Faz-se com inteligência. E aí, frustrando as expectativas dos entrevistadores, eu falo sobre coisas lindas que estão acontecendo por esse Brasil afora, no campo da educação. Porque o fato é que, a despeito de todas as coisas ruins e andando na direção contrária, há professores que amam os seus alunos e sentem prazer em ensinar.
Não há nada que tenha ocupado tanto o meu pensamento quanto a educação. Não acredito que exista coisa mais importante para a vida dos indivíduos e do país que a educação. A democracia só é possível se o povo for educado. Mas ser educado não significa ter diploma superior. Significa ter a capacidade de pensar. Diplomas somente atestam que aqueles que os têm são portadores de um certo tipo de conhecimento. Mas ser portador de um certo tipo de conhecimento não é saber pensar. É ter arquivos cheios de informações.
Nossas universidades são avaliadas pelo número de artigos científicos que seus cientistas publicam em revistas internacionais em línguas estrangeiras. Gostaria que houvesse critérios que avaliassem nossas universidades por sua capacidade de fazer o povo pensar. Para a vida do país, um povo que pensa é infinitamente mais importante que artigos publicados para o restrito clube internacional de cientistas. É muito fácil continuar a repetir as rotinas, fazer as coisas como têm sido feitas, como todo mundo faz. As rotinas e repetições têm um curioso efeito sobre o pensamento: elas o paralisam. A nossa estupidez e preguiça nos levam a acreditar que aquilo que sempre foi feito de um certo jeito deve ser o jeito certo de fazer. Mas os gregos sabiam de forma diferente: sabiam que o conhecimento só se inicia quando o familiar deixa de ser familiar; quando nos espantamos diante dele; quando ele se transforma num enigma. "O que é conhecido com familiaridade", diz Hegel, "não é conhecido pelo simples fato de ser familiar".
Dediquei grande parte da minha vida ao ensino universitário e tive muitas experiências boas. Mas a sensação que tenho é que, nas universidades, já é tarde demais. Os costumes e as rotinas já estão por demais sacralizados. Aqui o processo de deformação já atingiu um ponto irreversível. Quero voltar às origens. Quero me encontrar com o pensamento no momento mesmo em que ele nasce.
O enigma do conhecimento que o homem tem deste mundo: é nesse ponto que a filosofia da educação tem o seu início. Onde nasce o nosso desejo de conhecer? Para que conhecemos? Como conhecemos? Essas são as questões que me preocupam. E é por isso que estou interessado no conhecimento, no momento exato do seu nascimento. Quero vê-lo nascendo, como uma criança sai do corpo da mulher. O conhecimento dos moluscos e de outros animais sobre a arte de construir casas nasce com eles. Mas não nasce conosco. Nascemos ignorantes. Que forças nos arrancaram da ignorância? Que poder penetrou no corpo mole do homem e o engravidou, transformando-o num pensador? Que poder foi esse que transformou o cérebro em útero? E que forças o ajudam a nascer?
Para ter resposta a essas perguntas, basta observar esse milagre acontecendo na vida de uma criança.
Primeira lição para os educadores: A questão não é o ensinar as crianças. A questão é o aprender delas. Na vida de uma criança a gente vê o pensamento nascendo – antes que a gente faça qualquer coisa...
Referência:
ALVES, Rubem Azevedo. A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001.
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