UM DIÁLOGO NECESSÁRIO SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL ENTRE PAULO FREIRE E DARCY RIBEIRO
Por PAULO FREIRE e DARCY RIBEIRO
Em 8 e 9 de junho de 1991, ocorreu um encontro histórico para a educação do Brasil no Bucsky Mar Hotel, na cidade de Niterói-RJ. Promovida pela Prefeitura e a Secretaria Municipal de Educação de Niterói, a mesa redonda com a presença de Paulo Freire e Darcy Ribeiro fazia parte do Seminário CIEP - Crítica e Autocrítica. Durante o evento, Paulo Freire e Darcy Ribeiro uniram-se para passar suas experiências a um grupo de professores e diversos profissionais da área da educação, que discutiram os modelos de educação oferecidos pela rede pública.
(1) Trecho da fala de Paulo Freire:
"Eu agradeço a vocês de terem me trazido aqui. Porque desde que eu cheguei do exílio, esta é a primeira vez que estamos juntos, em público ... a gente diz da luta da gente, a gente diz da capacidade e da necessidade de querer bem, de amar e do compromisso da gente com a escola pública, com a educação, com o povo brasileiro.
Quando eu estive com Darcy pela primeira vez, eu tinha tido essa experiência anterior e como éramos, e somos da mesma geração, o meu nervosismo foi menor. Mas eu me lembro ainda hoje da emoção com que eu estive diante da cara moça, quase menina, da sua inquietação. E daí em diante ficamos, mesmo que não com encontros assíduos, mas ficamos sempre sabendo um da existência do outro. (...) essas estórias, esses pedaços de estórias, no fundo fazem parte da nossa história, da nossa história de educadores, de intelectuais deste país, por isso mesmo de políticos deste país, um pedaço da história maior que é a história nossa de nós todos no Brasil. Nosso país tem lamentavelmente, não porque a gente queria, uma necessidade enorme de comida pra aqueles que não comem, e aí a escola também faz uma merenda melhor, e isso e aquilo. Mas o que eu quero dizer é o seguinte, a especificidade da escola que é a produção do conhecimento, eu até diria mais tecnicamente, que é o espaço e o tempo em que se deve conhecer o conhecimento que já existe, em que se deve trabalhar para experimentar a possibilidade de criar o conhecimento que ainda não existe. Isso afinal é a educação.
Você vê que é uma mentalidade, isso é uma concepção imobilista da história. Essa gente não quer mudar nada. Portanto, nega-se na intimidade da escola o conflito social, é atrasado isso, profundamente atrasado.
Eu quero na presença de vocês todos como educador e dentro do Brasil e fora do Brasil, uma responsabilidade que não me envaidece, mas me deixa feliz pelo que representa, pelo que significa a repercussão de algumas coisas que eu tenho dito e que eu tenho falado nos meus livros, e quero dizer a vocês e dizer também de público e diretamente a Darcy, a alegria que eu tenho de ser brasileiro, exatamente nesse fim de século, a teu lado, defendendo essa coisa, brigando. Eu estarei contigo, Darcy, toda vez que tu tenhas responsabilidade no grito e na mão a ação, defendendo os CIEPs".
(2) Trecho da fala de Darcy Ribeiro:
"O que é Paulo na educação não precisa dizer vocês sabem mais do que eu. Eu vi Paulo se exercer, Paulo é a consciência e a emoção da educação brasileira, (...) Paulo é a sabedoria da educação brasileira, mas eu acho que o traço fundamental é esse, é de um respeito de educador pelo educando.
(...) Paulo, esse pessoal que está aqui é a prova testemunhal, carnal, nessas belas pessoas que estão aqui, de que as ideias se encarnam nas pessoas. E quando se encarnam elas ganham a possibilidade de existirem, de se perpetuarem. A ideia do Anísio, que é de todos educadores, do Brasil ter aquela escola que todo mundo tem (...) a única coisa profissionalizante realmente é aprender a ler e escrever e contar. Anísio sabia que era impossível tomar o sistema todo e melhorá-lo de uma vez, o Anísio fez um experimento, que foi pra nossa geração uma coisa comovedora, que é a Escola Parque da Bahia, no bairro mais miserável da Bahia, era um bairro de palafitas, na lama, na merda.
Naquele bairro o Anísio fez a Escola Parque da Bahia. (...) e a escola era para que? Pra receber as crianças quatro horas antes ou quatro horas depois da escola classe. E ele tentou melhorar as escolas classes, os meninos tinham suas aulas na escola classe, e iam pra Escola Parque".
Referência:
FARIA, Lia; SILVA, Rosemaria J. V. Paulo Freire e Darcy Ribeiro: um diálogo necessário. In: Geografia: Ambiente, Educação e Sociedades – GeoAmbES, jan./jun. vol. 1, n. 1, p. 07-21, 2019.