COMO É QUE O BRASIL CONSEGUE SER TÃO RUIM EM EDUCAÇÃO?
Por DARCY RIBEIRO (Montes Claros-MG, 1922 – Brasília-DF, 1997. Antropólogo, escritor e político brasileiro, conhecido por seu foco em relação aos indígenas e à educação no Brasil)
É uma coisa que sempre cogito, que sempre estou me perguntando: como o Brasil conseguiu ser tão ruim em educação e continua sendo tão ruim em educação? A única explicação que tenho é que é um defeito da nossa classe dominante. A nossa sociedade é uma sociedade enferma de desigualdades, suponho que a causa básica está em que somos descendentes dos senhores de escravos, fomos o último país do mundo, nós e Cuba, a acabar com a escravidão e a escravidão cria um tipo de senhorialidade que se autodignifica, que se acha branca, bonita, civilizada, come bem, é requintada, mas que tem ódio do povo, trata o povo como carvão para queimar. Então, na realidade, é uma classe dominante de filhos de senhores de escravos que vê o povo como a coisa mais reles, não tem interesse em educar o povo e também não tem interesse em que o povo coma.
Os CIEPs foram prédios muito caros; cada CIEP custou um milhão de dólares. Na realidade, o que acho é o seguinte: ninguém consultou o povo sobre se é mais justo abrir mais avenidas, viadutos para os 7% que têm carro, ou abrir escolas para todas as crianças. O povo acharia conveniente primeiro dar escola a todas as crianças e depois fazer tanto viaduto. Ninguém nunca questionou essa rodoviarização das cidades brasileiras, com investimentos tremendos e infraestrutura para isso, sem tratar da infraestrutura cultural, moral, espiritual e psicológica, que é a escola. Nossa obrigação é dar ao povo escolas as melhores possíveis e escola é cara. Escola barata é escola de quem não quer educar.
Não há coisa pior no Brasil do que um liberal, esses liberões que vocês gostam tanto, como o Otávio Mangabeira, Rui Barbosa... São uns monstros. Quando a gente fala em fazer uma reforma agrária é contra a estrutura agrária que eles criaram. Toda a configuração do Estado brasileiro é uma configuração para que uns poucos vivam muito bem, indiferentes à vida do povo, então é realmente uma classe de faz-de-conta. Temos que fazer escolas boas, com boas professoras, para criar na própria população a exigência disso. O povo brasileiro não sabe pedir uma escola honesta – uma escola como a do Japão, como a do Uruguai, uma escola de dia completo – porque nunca viu, nem sabe o que é isso. É um povo que é ignorante, que vem de uma sociedade que tinha uma cultura própria, mas que era transmitida oralmente. Quando ele vem para a cidade onde a cultura se transmite pela escola, ela fecha a porta para ele, fechando, portanto, o acesso à própria civilização. A educação é cara, mas é aquele investimento essencial que tem de ser feito.
No Rio, durante o governo de Brizola, quando eu estava fazendo os CIEPs e gastei mais de quinhentos milhões de dólares, contratei a Price Waterhouse. A Price é uma grande empresa de auditoria mundial, que impede que os gerentes das multinacionais roubem. Quando me quiseram acusar de roubo, após minha gestão, eu disse aos jornais que tinha a Price. Muito curioso que houve uma reunião com os diretores da Price, dos gerentes das multinacionais com eles, quando um diretor foi apertado porque estava dando cobertura a mim. Ele se defendeu dizendo que estava autorizado pela Inglaterra a nos dar auditoria; segundo, que eu pagava como eles pagavam; terceiro, que sobre mim a Price tinha mil pontos de controle e sobre eles só tinha quinhentos pontos. Portanto, a Price tinha a obrigação de dizer que não havia roubo. O homem público não tem só que ser honesto, tem que provar que é honesto em qualquer momento.
Referência:
RIBEIRO, Darcy. “Depoimento”. In: ROCHA, João Augusto de Lima (Org.). Anísio em movimento. Brasília: Senado Federal; Conselho Editorial, 2002.