A VOCAÇÃO PARA O MAGISTÉRIO E A EDUCAÇÃO ESCOLAR DAS CRIANÇAS NO BRASIL*
Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA (Caetité-Bahia, 12 de julho de 1900 - Rio de Janeiro, 11 de março de 1971. Jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro)
Só a infidelidade, uma continuada e consciente infidelidade a nós mesmos, à nossa lei, à nossa natureza, à nossa vocação, é que pode quebrar o quadro do nosso destino e fazê-lo banal e triste. A grandeza da vida dos heróis não tem outro segredo senão o da intrépida fidelidade a si mesmos.
Que me importa que a vida semeie de insídias o meu caminho ou que os homens espalhem surpresas venenosas na minha marcha, se eu levo e ouço em mim o meu sonho, a minha revelação, as minhas "vozes", como dizia Joana D´Arc, e se a elas só obedeço e sigo, como a regra permanente de minha vida? Podem as contingências semear de tempestades a minha estrada ou a fazer monótona e vazia como um deserto, eu não vivo na companhia das contingências, mas na companhia de mim mesmo. E onde eu estiver "arte e natureza, esperanças e sonhos, amigos e anjos e o próprio Deus não hão de estar nunca ausentes".
Ter ideal importa, pois, em entender seriamente a vida, vivê-la com uma nobre sinceridade, sem ilusões e sem embustes, praticando os nossos talentos com esforço e com entusiasmo, como se praticássemos os nossos deveres. A transformação do tempo se vê acompanhada de uma irreprimível e generalizada aspiração de liberdade, de exame e de revisão da própria filosofia da vida. Inegavelmente, nunca nos sentimos tão corajosamente dispostos à revisão de nossas ideias, tão escrupulosos na aceitação de princípios, tão ansiosos por uma filosofia esclarecida e consciente para a nossa orientação na viagem inquieta da vida. Estamos envolvidos em uma atmosfera de livre exame, com a qual buscamos um novo e mais íntimo ajustamento às nossas concepções da vida e uma nova e mais íntima sinceridade com nós mesmos.
Estudai constantemente a alma infantil tão fugidia e tão obscura, por vezes. Não julgueis nunca que a conheceis demais. As injustiças de incompreensão são as que mais doem. E quase nunca compreendemos as crianças. Queremos medi-las pelos nossos critérios. Queremos forçá-las aos nossos motivos. Mas, nós estamos muito adiante na vida. E a criança se debate sozinha no caminho enquanto nós punimos a sua ignorância com a nossa irritação. Que as crianças que vos forem entregues nunca se sintam aterradas por esse isolamento, nem castigadas por não serem compreendidas.
Desejaria que levásseis a vossa benevolência, o vosso tato, a vossa inteligência e a vossa simpatia a um tal extremo de delicadeza, que nunca se pudesse apagar nos olhos de uma criança a chama de confiança que, um dia, lhe soubestes incutir.
* Discurso escrito por Anísio Teixeira em fins de 1928, quando foi convidado para ser paraninfo das professorandas do Colégio dos Perdões – Bahia. Apud. VIANA FILHO, Luís. Anísio Teixeira: a polêmica da educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
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