O CLÁSSICO “COMPLEXO DE INFERIORIDADE” DO BRASIL E A MUDANÇA DE MENTALIDADE ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO

Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA (Caetité-Bahia, 12 de julho de 1900 - Rio de Janeiro, 11 de março de 1971. Jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro)

Acompanhamos, de certo modo, a transformação política do mundo; vamos acompanhando, mal ou bem, a sua transformação econômica e técnica, pelo menos na utilização de seus inventos e novos instrumentos; mas não acompanhamos a sua transformação institucional, que foi, sobretudo, uma transformação no campo educacional, a transformação escolar.
Ora, se essa transformação em nações de velhas culturas, como as da Europa, exigia, como exigiu, um esforço deliberado e custoso, que não se fez sem luta e sem sacrifício de toda ordem, impondo à sociedade um ônus econômico só equivalente ao da defesa e da guerra, o que não teria de ser ela no Brasil, cujas condições sociais eram as de uma sociedade apenas saída do regime patriarcal e escravocrata, em processo de reajustamento difícil e penoso às condições novas de uma sociedade igualitária e democrática?
À medida que deixávamos de cumprir a nossa obrigação nacional de viver à altura das nações congêneres, de que copiávamos as instituições políticas e sociais, fomos desenvolvendo o clássico “complexo de inferioridade”, que não possuíamos antes, nem podíamos possuir, pois éramos uma nação nova, transplantada para uma região nova, cheia do orgulho das nossas facilidades. Somente depois da Independência, com efeito, e ainda mais depois da República, é que viemos a elaborar, conscientemente, esse complexo de inferioridade, que é uma consequência direta de não termos acompanhado as demais nações no processo de integração e de educação sistemática de toda a população para a sociedade igualitária e progressiva dos tempos modernos.
E foi isso que nos lançou no grupo de nações subdesenvolvidas do globo e criou o supremo paradoxo, que partilhamos com as demais nações latino-americanas, de sermos, simultaneamente, jovens, pois a terra é nova e a população, em grande parte, decorrente de transplantação, e velhos, pelo atraso em que nos deixamos ficar e pelo complexo de impotência e irremediabilidade que acabamos por formar em face da nossa derrota ante o desafio das condições e da época. De um modo, porém, ou de outro, o ímpeto das convulsões e transformações sociais deste século acabaram por nos atingir, promovendo algum progresso material, incerto e descompassado, mas suficientemente amplo para criar em limitados grupos um novo estado de espírito, pelo qual se vem substituindo o antigo complexo de inferioridade por um senso nascente de orgulho nacional, algo confuso, mas bastante vigoroso para permitir uma visão realista das dificuldades e uma resposta mais séria ao seu desafio. Este é o momento brasileiro. O real divisor de águas entre as duas mentalidades que se defrontam no Brasil é o deste sentimento. De um lado, estão os que, explícita ou implicitamente, não acreditam no Brasil, considerando-o uma nação de terceira ordem, que jamais resolverá pelos seus próprios meios os seus problemas básicos – o que é essencial para se fazer uma nação organicamente civilizada – e de outro, os que, retomando os deveres abandonados pelas gerações frustradas do Império e da República, acham que a Nação se pode constituir, que o seu elemento humano só é o que é por lhe haver faltado o que tiveram outros, isto é, educação e formação sistemática moderna, e que a terra, com a aplicação do desenvolvimento científico dos nossos dias, pode vir a mostrar-se tão rica e própria à civilização quanto os melhores trechos temperados do globo.
Esta mentalidade que já se manifesta de todos e por todos os modos, no País, precisa evolver de um confuso estado sentimental e romântico, ou de um desabrido espírito de especulação e demagogia, para uma sóbria e segura lucidez.
Depois da fase de introspecção, análise e crítica, que, de algum modo, caracterizou os últimos vinte e cinco a trinta anos da nossa vida intelectual, e de que resultou o que há de lúcido na mentalidade nova do Brasil, entramos, agora, na fase de elaboração e de plano, competindo à inteligência brasileira definir os nossos deveres, os novos esforços e as novas jornadas, que cumpre empreender para que o renascente sentimento de segurança e orgulho nacional frutifique na real construção do futuro brasileiro.
Referência:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. A educação e a crise brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.




Comentários

TEXTOS MAIS LIDOS