O PODER DA MÍDIA SOBRE A MENTE DOS INDIVÍDUOS E A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE O ESPAÇO DA ESCOLA E DA UNIVERSIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

Por EUGÊNIO BUCCI (Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da USP. Jornalista e crítico de televisão)

A escola perdeu para a mídia – sobretudo para a televisão – seu lugar formativo clássico, isto é, aquele a partir do qual a educação escolar exercia hegemônica e consistentemente a capacidade de estabelecer significações. Essa substituição obedece a lógicas, princípios e valores antagônicos aos do mundo da escola. Evidentemente – em maior ou menor proporção – estamos todos perplexos frente a esse poder da mídia. Quais limites deveriam ser oferecidos a ele? Como poderiam os educadores competir com a televisão? Para abordar essas dúvidas com alguma consistência, é preciso entender o modo de operação da mídia. Por isso, deve-se destacar sua capacidade de estabelecer significações, pois é principalmente no exercício dessa função que a escola vem rapidamente perdendo espaço para a mídia. E ensinar é, afinal, uma das alternativas que restam a quem quer interferir, de maneira organizada, na formação das pessoas. Quando, direta ou indiretamente, fazemos referência às escolas, estamos pensando, dentre outros aspectos, na capacidade histórica dessas instituições para criar significações e hierarquizar valores.
Segundo o sociólogo francês Pierre Bordieu, o campo da televisão vem abarcando outros como o da universidade e o do mundo acadêmico, produzindo um efeito nefasto. Não se avalia mais a excelência do professor de acordo com os mecanismos próprios do meio acadêmico destinados a medir e reconhecer o conhecimento; sua excelência está relacionada à celebridade que ele consegue atingir no mundo do espetáculo. São famosos os professores que fotografam bem ou que sempre dão entrevistas para determinados programas. Na medida em que fatores externos à vida acadêmica passam a determinar, cada vez mais, a avaliação de seus agentes, cabe indagar até quando a universidade conseguirá preservar sua autonomia e seus critérios de excelência.
A ciência, cada vez mais, acontece como espetáculo, e os critérios que legitimam financiamentos públicos ou privados de pesquisas científicas passam por aferições menos ou mais informais de popularidade. Por isso, a NASA (agência de expedições científicas espaciais dos Estados Unidos) precisa ser muito mais uma agência de marketing do que de ciência. Enfim, ser famoso, não importa por que, tornou-se uma moeda, substituindo as demais.
A linguagem da televisão substituiu a todas as formas de simbolização e a escola não ficou à parte disso. Esse é um fenômeno recente. O Brasil, a partir dos anos 1970, tornou-se um espaço público integrado pela televisão, e a escola perdeu seu lugar clássico.
Há 50 anos, a escola pública de ensino médio preparava pessoas para ocupar postos de comando na sociedade; por isso, lecionar nas instituições estatais também dava aos professores um status diferenciado. A organização do conhecimento oferecido aos alunos pelo professor apontava para um horizonte de significações muito mais amplo do que aquele registrado atualmente pela escola pública.
Já a televisão inicia a alfabetização das crianças por imagens desde o instante em que elas já demonstram alguma capacidade de decodificação da linguagem visual. Pesquisas informais estimam que, nas sociedades contemporâneas, em média, as crianças permanecem diante de imagens da televisão durante três horas diárias. O advento da internet e dos games veio abalar um pouco essa hegemonia. Em todos os casos, porém, é o aparelho cognitivo da criança que está, por assim dizer, desaguando em telas eletrônicas.
Ora, é preciso pensar nas consequências desse depósito da inteligência em territórios eletrônicos. Já se tornou lugar-comum dizer jocosamente que, por vezes, é necessário ligar a televisão para desligar nossos filhos. Nas últimas décadas, frequentemente tem-se condenado a compra de armas de brinquedo para as crianças. Passou-se a dar a elas os games – e aos poucos se descobriu que, junto com eles, eram oferecidos também aviões de guerra e arsenais nucleares, que poderiam ser livremente escolhidos para destruir as “ilhas do mal”, as quais normalmente têm um visual nazista, soviético ou cubano. Mentes são, dessa forma, esculpidas ideologicamente.
As crianças vêm para a escola com vivências consolidadas acerca desse cosmo, posto pela televisão. Classicamente a escola foi pensada como uma das portas para a socialização – sua existência somente faz sentido se ela se presta a formar cidadãos. Ela baseia sua atividade na convicção de que a cultura e o conhecimento são bens públicos. Hoje, no entanto, as crianças já chegam à escola, em certo sentido, “socializadas” – mais especificamente, adestradas para o consumo. E, não raramente, elas já têm, por exemplo, informações geográficas que muitos adultos desconhecem. Inúmeros temas da mídia radicaram-se na vida das crianças; diversos programas infantis estigmatizam ideias acerca de agentes do mundo contemporâneo. A escola, assim, passou, pouco a pouco, a perder sua função no ordenamento simbólico do mundo.
O que significa estabelecer significações? Trata-se da capacidade de determinar o sentido que um determinado discurso ou linguagem deve ter, bem como o grau de valor que um significante pode adquirir. Das significações estabelecidas dependerão, por exemplo, a orientação vocacional de um estudante ou de um grupo de estudantes e, por conseguinte, a direção e os limites de suas futuras atuações profissionais, as quais, até recentemente, eram exploradas e definidas no interior da vida escolar. Hoje isso não mais acontece. Funções como essas estão sendo exercidas pelos meios de comunicação, sobretudo, eletrônicos. Ora, pobre professor, que tem, precisamente, dentre outras atribuições, a de produzir nexos de significação. Como irá ele competir, por exemplo, com os desenhos que, de maneira esquemática e desproblematizada, determinam os sentidos do bem e do mal? Como irá ele se mostrar mais significativo do que imagens que falam diretamente para o desejo? A mídia produz um discurso que poderia se resumir na seguinte máxima: "deixe-se governar pelas paixões e eu lhe darei o que elas lhe pedem".
De um lado está o professor, supostamente dando o máximo de si para falar à razão e à consciência, abordando, por exemplo, a importância de virtudes tais como a busca permanente de uma opinião própria ou a definição e o exercício da vontade – a qual difere do desejo, pois envolve deliberação, análise, cálculo, projeção, enquanto o desejo é um impulso ao qual nos entregamos e pelo qual deixamo-nos seguir. A mídia, entretanto, opera em direção oposta. Ela exerce a função apelativa (aquela função da linguagem mediante a qual determinado discurso busca incentivar no destinatário um comportamento específico, em detrimento de outro), com o auxílio incansável das imagens, dizendo: "faça X e obtenha Y!". No pleno exercício dessa função, quem diz hoje o que é importante ou não é a hierarquia posta na mídia.
Referência:
BUCCI, Eugênio. Mídia e educação. In: CARVALHO, José Sérgio de (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 273-302.



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