O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Por GUSTAVO CAPANEMA* (Pitangui-MG, 1900 – Rio de Janeiro-RJ, 1985. Ministro da Educação entre 1934 e 1945. Responsável pelos estudos que visavam à criação da Universidade do Brasil – atual UFRJ – e pela construção do edifício-sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. Fundou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Instituto Nacional do Livro em 1937 e o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP - em 1938).
“Fugimos às declarações demagógicas de que o ensino primário está em primeiro lugar ou de que o ensino profissional merece maior cuidado ou, ainda, de que o ensino agrícola é o mais importante. Quem medita sobre os problemas da educação popular chega à conclusão de que eles representam um bloco só. Para desenvolvê-la, necessário se torna fazer um trabalho por inteiro. Se encararmos o problema da indústria, ou da agricultura, verificamos que não basta o ensino primário, mas também o profissional. Quando chegamos ao ensino profissional, verificamos que o ensino superior também é indispensável. Se vamos ao ensino superior, vemos que o secundário é básico, pois sem ele o superior não existe. De modo que o estudo do problema da educação leva à convicção de que não pode haver proeminência entre os ramos do ensino. Todos são importantes, e errará gravemente o governo que tentar resolver apenas um dos aspectos da educação.
Mas além da disparidade de conceitos que existe, muitas vezes, dentro e fora da escola, temos que registrar, em certas épocas, lamentável antagonismo entre esses ambientes. O dinamismo da hora presente, devorando energias físicas e intelectuais numa combustão incessante, é como que uma força a convidar-nos à improvisação e a impor-nos soluções aligeiradas, isentas de críticas, porque a rapidez da sucessão dos fatos não deixa vagares para a censura do que passou. Ninguém se lembra do erro de ontem, tal a intensidade com que o problema de hoje monopoliza todas as preocupações válidas. Alguns não têm tempo para pensar, e muitos não desejam pensar.
Os recursos da moderna ciência abriram tão amplas perspectivas ao crescimento material do Brasil que instalamos um clima de mobilização geral de todos os esforços no afã do rápido alcance dos bens de riqueza. Exatamente quando mais próximos nos encontramos desses fartos tesouros, é que se generaliza a desconfiança de que não estamos preparados para a sua útil fruição. Por isso mesmo, vizinhamos a época das frustrações, dos desencantos e dos desenganos. Caminhamos com muito ardor, mas, sem a escola, que tem vivido órfã de equipamentos modernos e de melhor técnica de ensino. Bradamos, em praça pública, que o petróleo é nosso, mas não forjamos, pela educação, armas indispensáveis a essa prerrogativa.
Longe da escola, a sociedade modelou novos estilos de triunfo, na euforia do sucesso fácil, estimulando os aventureiros, premiando os ignorantes, facilitando a caminhada dos superficiais e propagando, com ótima acústica, a voz das mentiras sedutoras. E essa brutal inversão dos fatores de vitória, peculiar às horas de transição social e econômica, afetou, pela raiz, a árvore da escola, que muitos desejavam fosse de pequena estatura e de fácil escalada, com frutos doces e saborosos a serem colhidos antes de qualquer esforço.
Assistimos, então, à cruzada do diploma, através dos caminhos da ignorância e da displicência. A sociedade só se lembrava da escola para criticá-la pela lentidão em ‘expelir’ a legião de doutores que desejava fossem formados ‘em série industrial’. Apenas eram consultadas as estatísticas quantitativas, esquecidos os índices de aferição qualitativa. Mas a realidade fez as suas advertências e já nos ameaça com suas severas penalidades.
Estamos, felizmente, ainda em tempo para uma reforma nessa falsa orientação, ou melhor, para uma verdadeira revolução, conforme a lapidar expressão do antigo ministro Clemente Mariani ao instalar a Comissão de Estudos das Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
* Discurso do deputado Gustavo Capanema ao apresentar à II Convenção Nacional do Partido Social Democrático o projeto de Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1952).
Referência:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. A educação e a crise brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.
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