A ESQUERDA QUE A DEMOCRACIA BRASILEIRA DEMANDA
(Para uma reflexão sobre o futuro da esquerda no cenário político brasileiro)
Por ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA (Caetité-Bahia, 12 de julho de 1900 - Rio de Janeiro, 11 de março de 1971. Jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro)
A reconstrução do país exige um vigoroso estado de confiança e de união para se processar com algum viso de êxito, tão sérios e difíceis são os problemas deixados por uma ditadura. Este período a iniciar-se será um período de sacrifícios e de esforços tão grandes que o seu possível sucesso depende de uma colaboração real e eficaz de todos os brasileiros. A luta e controvérsia democrática, pode ferir-se com toda vivacidade, pois essa luta não divide o país. As urnas dirão qual o programa e quais os homens preferidos e esses preferidos terão o apoio de todos os brasileiros. O essencial é que todos estejam de acordo quanto à aceitação da decisão popular. A luta democrática nunca dividiu país algum. Hoje parece haver no país três lutas de opinião: a dos generais, a dos políticos e a da esquerda. Todos sabemos que o Brasil é um país social e economicamente desorganizado, com um tremendo atraso cultural e técnico, sem elites, sem quadros e sem densidade suficiente para permitir soluções sistemáticas em qualquer sentido. Todos sabemos que, no Brasil, tudo tem de ser feito pelo método de tentativas e de ensaios, numa busca de soluções adequadas, que nenhum de nós conhece ou sabe ainda quais sejam. Não podemos, por isto mesmo, fugir ao nosso destino democrático e liberal, o único que comporta esse método de experiência e erro pelo qual nos teremos de conduzir em nosso longo caminho do progresso.
A Nação deseja que se preste a atenção ao problema de nossa pobreza, ao problema popular, em todos os seus múltiplos e difíceis aspectos. A Nação demanda uma profunda inclinação pela parte mais pobre e mais deserdada do país. Queremos ser politicamente uma democracia liberal e isto não impede que desejemos, simultaneamente, que essa democracia esteja sob um vigilante pensamento de esquerda, para não se fazer conservadorista nem reacionária e sim avançada e progressista, no sentido de uma gradual emancipação da classe pobre e espoliada.
Não tenho dúvida em admitir que, pouco a pouco, os partidos de esquerda irão crescendo de prestígio no país, até algum dia conquistarem o poder e introduzirem, então, reformas mais radicais na estrutura política e econômica da Nação. Mas isto só se dará se eles souberem conservar-se, no princípio, como partidos de esclarecimento e de vigilância, devotando-se a um lento trabalho de pesquisa dos problemas brasileiros e de educação da consciência nacional, para o que estão particularmente aparelhados por não estarem presos nem a preconceitos nem a interesses.
O militarismo, o clericalismo e o oligarquismo são os males imediatos do Brasil. Um programa de luta contra essas três formas de reação cabe perfeitamente dentro da democracia liberal e dentro do programa de esquerda. Por que não nos fixamos aí? Vamos fundar uma real democracia brasileira, onde os atos sejam julgados sob a medida do seu alcance popular, mas fiquemos dentro das categorias econômicas aceitas pelo nosso povo, para não trabalharmos no vácuo. Oponhamos à liberdade do capital a organização dos trabalhadores, como uma escola de conquistas dos seus direitos e da consciência da sua força, estimulemos, um e outro, à sadia luta em que o capital se faz esclarecido e tolerante e o trabalho vigoroso e cooperativo. Por meio de impostos, corrijamos as desigualdades da distribuição da fortuna. E por meio de um sistema de educação amplo, corajoso e eficaz, demos aos pobres a superioridade que, hoje, só os ricos possuem, porque só eles podem educar os filhos.
A democracia, no Brasil, será o meio de se organizar e esclarecer o pobre, até fazê-lo poderoso e consciente. Neste dia, tudo será possível no Brasil.
Referência:
TEIXEIRA, Anísio Spínola. “1935-1945”. In: ROCHA, João Augusto de Lima (Org.). Anísio em movimento. Brasília: Senado Federal; Conselho Editorial, 2002, p. 253-256.