BRASIL: UM PAÍS MENTALMENTE SUBDESENVOLVIDO
(Para uma análise de discursos e práticas de aversão à ciência, cultura e intelligentsia)
Por AFRÂNIO COUTINHO (Salvador, 1911 – Rio de Janeiro, 2000. Professor, ensaísta e crítico literário brasileiro. Membro da Academia Brasileira de Letras)
Costumamos no Brasil apreciar os homens vazios de ideias, mas que fazem coisas. Temos horror à teoria. Repelimos ideias e erudição como formas de poluição. Preferimos o homem telúrico, embebido da seiva telúrica, desligado de controle da inteligência. Desconfiamos dos estudiosos, cultos, eruditos, sabedores, para preferir os vazios de formação intelectual e conteúdo de cultura. Competência é coisa que não nos interessa. Por isso, o nosso desprezo pelo livro. Temos horror do livro. Ainda não descobrimos no Brasil que conhecimento e competência só se adquirem com o livro. Daí o nosso vício da improvisação, da superficialidade, da embromação, da desconfiança com o homem de saber e cultura, do técnico e do cientista.
Nós não gostamos do homem fonte. Um homem que deseja inovar, criar coisas novas, tirar o país do marasmo pantanal, do deixa-ficar-como-está-para-ver-como-fica, do deixa-assim-mesmo, do conformismo como o status quo, da descrença na possibilidade de melhorar e aperfeiçoar. Porque nesse caldo de cultura putrefeita é que melhor vantagem e partido tiram a mediocridade, a falsidade, os aproveitadores, os falsários de todas as farinhas. A luz e o progresso são incompatíveis com as formas inferiores de vida.
Aliás, o Brasil tem espírito de nababo no lidar com a sua elite intelectual. Parece que se sente rico demais, de sorte que não se mostra preocupado em bem-utilizar os seus rendimentos e, como certos filos de milionário, vive a orgia da dissipação, a espandongar os recursos que outros, menos dotados, gostariam de poder dispor para as suas mínimas necessidades.
Não sabemos aproveitar os nossos homens de inteligência. Desperdiçamo-los como se de nada valessem, ou como se um país só encontre meios de enriquecimento e progresso no trabalho material, constituindo os valores intelectuais um luxo indispensável.
Só um país mentalmente subdesenvolvido, só um país cujo corpo social não dispõe do tecido conjuntivo para defender-se e se torna altamente permeável à circulação dos miasmas que o destroem, só um país com essa consistência é que encara com suspeição a sua intelligentsia e procura policiar as palavras.
É um mau costume brasileiro a incapacidade de analisar e avaliar homens, fatos, ideias. Também o é pregar etiquetas nas costas dos que não se ajeitam dentro dos currais ideológicos ou políticos do momento. É comuna, reacionário e quejandos epítetos, como se uma individualidade complexa coubesse em fórmulas simplistas, como se uma personalidade intelectual autêntica pudesse definir-se de maneira grotesca e absurda, segundo um redutivismo primário.
Nós nos damos ao luxo de considerar suspeitos, subversivos, desnecessários os nossos homens de elite intelectual. Triste do povo que desconfia de sua intelectualidade e suspeita da palavra. Relegada à sombra da clandestinidade é que ela se torna perigosa e explosiva. Nada a detém. Ao contrário, o que se deveria impor como programa inteligente era a conquista da inteligência, era o uso da força intelectual pelo bem comum e dentro de um clima de liberdade. O Brasil parece ter medo das luzes que dimanam das mentes esclarecidas. Que se pode esperar de uma nação que escorraça os representantes de sua cultura?
Referência:
COUTINHO, Afrânio. A dimensão humana de Anísio. In: ROCHA, João Augusto de Lima (Org.). Anísio em movimento. Brasília: Senado Federal; Conselho Editorial, 2002.